A inteligência artificial vai matar a criatividade humana?

A criatividade envolve a quebra de padrões, a disposição para correr riscos e a exploração de territórios desconhecidos. Está intimamente ligada às emoções e experiências pessoais.

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"Enquanto a IA pode analisar grandes conjuntos de dados, ela carece da compreensão profunda e da empatia que surgem das emoções humanas" Tara Winstead/pexels
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A ascensão da Inteligência Artificial (IA) tem sido um fenómeno notável no cenário tecnológico contemporâneo, oferecendo soluções inovadoras e transformando diversas áreas da nossa vida. No entanto, há uma preocupação crescente acerca do impacto potencial da IA na criatividade humana. A IA é programada para processar dados, aprender padrões e otimizar resultados com base em algoritmos e lógica. Será que a criatividade, uma característica intrinsecamente humana, pode ser prejudicada pelo avanço desenfreado da IA?

A criatividade é um processo complexo que envolve um pensamento divergente, originalidade e a capacidade de integrar conceitos aparentemente desconexos. É um aspeto vital da expressão humana, impulsionando a inovação, a arte, a música e muitas outras formas de manifestação cultural. Irão a originalidade e intuição humanas ser subjugadas pela uniformidade dos algoritmos? Não creio, se soubermos explorar e valorizar a criatividade e o talento humano, para que a originalidade e intuição inerentes à nossa natureza ultrapassem a padronização aborrecida.

A IA muitas vezes opera com base em dados históricos e padrões previamente identificados, o que pode levar a uma reprodução de soluções existentes (texto, imagens e música) ou geração de conceitos mais previsíveis, em vez de explorar improbabilidades. A criatividade, por sua vez, envolve a quebra de padrões, a disposição para correr riscos e a exploração de territórios desconhecidos. Além disso, esta está intimamente ligada às emoções e experiências pessoais, elementos que são intrínsecos à natureza humana.

Uma das obras significativas neste contexto é a do neurocientista António Damásio. Os seus dados mostram como a emoção contribui para a razão e o comportamento social, oferecendo uma nova perspetiva sobre o papel das emoções e sentimentos: um elo entre o corpo e as respostas fisiológicas que visam a sobrevivência, por um lado, e a consciência, por outro. Através da análise sistemática de pacientes com lesões cerebrais e experimentação neuropsicológica com animais de laboratório, o autor (e sua mulher Hanna) mostram como as emoções são indispensáveis na génese e expressão do comportamento, e para a racionalidade.

O seu famoso livro O Erro de Descartes questiona a teoria de René Descartes, célebre filósofo que enunciou a frase: “Penso, logo existo”, contrapondo o dualismo cartesiano no qual a alma (razão pura) é independente do corpo e das emoções e atualizando-o para “Existo (e sinto), logo penso”. Damásio defende uma abordagem integrativa das emoções e da razão. Escrito com clareza e elegância, este livro mudou para sempre a visão que temos da relação entre mente e corpo.

Enquanto a IA pode analisar grandes conjuntos de dados, ela carece da compreensão profunda e da empatia que surgem das emoções humanas. Podemos obter obras musicais, imagens ou textos aparentemente perfeitos, mas não terão a autenticidade e a profundidade emocional proporcionadas pela perspetiva humana. No entanto, é importante destacar que a IA pode e deve ser uma ferramenta fantástica para potenciar a criatividade humana. Eu antecipo que ao automatizar tarefas repetitivas, a IA permitirá usar o tempo e espaço para outras mais criativas e significativas.

O desafio é encontrar um equilíbrio entre aproveitar as vantagens da IA para otimizar processos, e preservar a singularidade e a originalidade inerentes à expressão criativa humana, disse-me muito sensatamente o ChatGPT (uma ferramenta de IA) quando o questionei.

Para apreciar a simplicidade e a eficácia em transmitir emoções humanas, oiçam a música No Surprises memorável do álbum "OK Computer" dos Radiohead; acompanhada do futurista livro de ficção científica do brilhante Ray Bradbury, Crónicas Marcianas, que mergulha na natureza da humanidade, a colonização, a exploração espacial e as complexidades das relações sociais.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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