As teorias da conspiração fazem-nos sentir especiais

Em não podendo, ou tendo capacidade, para estudar a fundo todos os assuntos, temos de nos dar ao trabalho de procurar a opinião da comunidade científica.

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EDUARDO MOSER/SANDRADESIGN
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Querida Mãe,

Decidi que vou subscrever uma teoria da conspiração. São muito mais práticas do que o método científico, e fazem-nos sentir especiais na medida em que sentimos que somos “dos poucos a ver a realidade como ela realmente é”.

Mas, desta vez, propus-me criar teorias em que os protagonistas são bons. E querem o nosso bem.

Eles (tem de haver sempre um “eles”, que ninguém sabe bem a quem corresponde) perceberam que ninguém muda de hábitos, a não ser que ganhe com isso. Ou seja, para salvar o ambiente, Eles aumentaram o preço da gasolina para nos levarem a deixar de usar o carro. Ou seja, afinal não nos querem sobrecarregar com mais taxas e impostos, nem tão pouco encher os bolsos dos magnatas do petróleo, mas apenas proteger o planeta.

Também a inflação é apenas uma forma de nos levarem a comer menos e assim reduzir as taxas de obesidade e de diabetes.

Eles também odeiam amarelo, caso não saiba, porque eu fui a três shoppings diferentes e não encontrei nem um vestido amarelo para um espectáculo das minhas filhas. Controlam as cores que vestimos, mas apenas para nos chamarem a atenção para a importância de preservar a mãe natureza — tenho a certeza de que é por isso que só encontrei castanhos e verdes.

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Mãe, alguma conspiração em que acredite?


Filha,

Ddepois de ler a tua carta, conclui que a minha primeira teoria da conspiração do ano é que Eles misturaram cogumelos mágicos na carbonara que comeste ao almoço. É verdade que não gostas de cogumelos, mas não é um detalhe como esse que vai estragar a minha tese.

Ana, a sério, aterroriza-me a facilidade com que as pessoas aderem às explicações simplistas, em lugar de aceitarem que as questões complexas exigem, naturalmente, respostas complexas. Que em não podendo, ou tendo capacidade, para estudar a fundo todos os assuntos, temos de nos dar ao trabalho de procurar a opinião da comunidade científica — e não a teoria de um cientista avulso! —, resistindo a andar sempre à procura de motivos ulteriores para tudo. O acaso existe, e há, sim, coincidências.

Compreendo a tentação de reduzir tudo a uma relação de causa efeito, porque nos dá a ilusão de controlar o que nos rodeia, mas já tenho alguma dificuldade em compreender porque é que nestas conspirações “Eles” são sempre criaturas sem escrúpulos dispostas a tramar-nos a vida. Fico com a impressão de que há muita gente que foi ensinada desde pequenina a desconfiar de tudo e de todos, a partir do princípio de que está sempre alguém, numa qualquer esquina, pronta a passar-lhes a perna. Nesse sentido, fico muito contente que as tuas teorias tenham por trás gente boa, interessada na nossa felicidade, mesmo que escolhendo métodos pouco ortodoxos para nos levar ao bom caminho.

Tudo isto me fez lembrar que uma vez escandalizei um grupo de pais a quem fui falar sobre adolescentes, porque disse que se o preço de criar filhos que confiavam por regra nas pessoas fosse serem enganados de vez em quando, estava disposta a pagá-lo. Continuo a pensar o mesmo para os meus netos.

Só uma última nota para te dizer que, escondido no fundo de uma arca, tenho um vestido amarelo. Não digas a ninguém, e vem buscá-lo pela calada da noite, para que Eles não te apanhem. Fico à espera.


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.

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