O medo de estar sozinho
O pequeno roedor Arganaz aparece nas casas dos outros animais e ali se instala, noite após noite. Seja num relógio de cuco, numa caixa de cenouras ou nas hastes do Veado. Os amigos não gostam.
Houve um Verão diferente na Floresta Verde. O primeiro animal que se apercebeu de que algo se passava foi o Coelho.
“Ao nascer do sol, levantou-se de um salto e correu a preparar o pequeno-almoço. Na caixa das cenouras encontrou o pequeno Arganaz, que dormia tranquilamente.”
Outras camas diferentes se seguiram, noite após noite: a gaveta das gravatas do Pisco, as hastes do Veado, o sapato do Urso, o relógio de cuco do Rato, a caixinha de música do Esquilo. A justificação repetia-se: “Esta noite não conseguia dormir e resolvi experimentar uma cama diferente.”
Insatisfeitos com a presença recorrente e inesperada do Arganaz nas suas casas, os animais disseram-lhe que tinha ficar na sua própria cama. E o roedor desapareceu da Floresta Verde. Foi procurar companhia na Floresta Cinzenta, pondo-se em perigo na casa do Lobo.
Os animais ficaram então a saber pela coruja que, afinal, o que ele tinha era medo de dormir sozinho. Resgataram-no e arranjaram uma solução colectiva.
A cada dia corresponderia uma casa diferente e todos os amigos o acolheriam com simpatia e sem surpresa.
Um conto breve que remete para a necessidade de protecção durante um certo período do desenvolvimento das crianças. Também valoriza a mudança de atitude dos outros ao se aperceberem dos receios de quem é mais pequeno. A incomodidade de cada um foi relativizada perante o conhecimento da necessidade de quem é mais frágil.
A autora do texto, Susanna Isern, espanhola, é professora universitária de Psicologia da Aprendizagem, daí que muitos dos seus livros explorem as diferentes etapas de desenvolvimento das crianças. Neste caso, a fase, transitória, do medo de dormir sozinho.
A escritora tem perto de cem livros publicados, traduzidos para 18 línguas, e já vendeu mais de meio milhão de exemplares em todo o mundo. Algumas das suas obras foram adaptadas para teatro.
As Sete Camas do Arganaz é uma história que, em última análise, pode alertar para o risco de se procurar afectos inapropriados por falta de atenção e carinho de quem é mais próximo e de confiança.
Poesia visual
A atmosfera da ilustração envolve de imediato o leitor, pelos tons e pelos pormenores. Tanto o interior como o exterior das casas desenhadas são autênticos poemas visuais. Os rostos dos animais denotam simpatia e ternura.
Num texto de Priscila Brito para o site Thais Slaski (de 15 de Outubro de 2019), fica a saber-se que o italiano Marco Somà, que usa técnica mista, começa por desenhar a lápis, digitaliza a imagem e só depois começa a colori-la. Para isso, usa fundos em aguarela ou tinta acrílica, que sobrepõe ao lápis. Recorre ainda a papéis coloridos, com o que obtém belos efeitos tridimensionais. Outro título muito bonito publicado em Portugal em 2021, com texto de Davide Cali e edição da Nuvem de Letras: O Vendedor de Felicidade.
O pequeno Arganaz, como todas as crianças, há-de perder o medo de dormir sozinho. Até porque chegará o momento de cuidar de alguém ainda mais frágil do que ele.