Esquerda levou cravos para o Martim Moniz em solidariedade com imigrantes
Críticas à forma como foi levada a cabo a operação policial de quinta-feira no Martim Moniz levaram mais de uma centena a manifestar-se este sábado no bairro em solidariedade com os imigrantes.
A Rua do Benformoso, no Martim Moniz, em Lisboa, encheu-se neste sábado à tarde com mais de uma centena de pessoas que se concentraram para manifestarem solidariedade com a população imigrante que ali vive e trabalha. Todos os partidos da esquerda estiveram presentes para criticar a forma como foi levada a cabo a acção policial de quinta-feira naquela zona, que o primeiro-ministro já defendeu por entender que é importante haver um "policiamento visível".
Ao PÚBLICO, Rui Tavares, que esteve na manifestação, explicou que a concentração aconteceu de forma "espontânea". Várias figuras políticas e outras personalidades foram "sendo agregadas" a grupos nas redes sociais, tendo decidido participar na concentração em reacção à operação policial de quinta-feira, de que resultaram duas detenções.
O coordenador, deputado e vereador do Livre na Câmara Municipal de Lisboa, sublinhou que a operação da PSP foi contra "nossos concidadãos e vizinhos", acrescentando que a imigração é "inevitável e necessária".
"A polícia tem de agir quando há situações de insegurança" e não em situações "determinadas pela agenda mediática dos partidos", disse o líder do Livre, argumentando que a acção foi "desproporcionada", pelo menos, tendo em conta os resultados que obteve.
Do lado do Partido Socialista, a deputada Isabel Moreira criticou, em declarações transmitidas pela RTP, a “operação feita contra imigrantes pobres, que trabalham muito, que têm uma determinada cor e que comem uma determinada comida”.
A deputada, que acusou o executivo de ter impulsionado a operação (facto que tanto o Governo quanto a PSP já desmentiram), considerou que, num Estado de direito, os cidadãos não podem ser “postos numa fila, indiscriminadamente, contra uma parede para serem revistados”.
"Há um antes e um depois das imagens antidemocráticas" da acção da PSP, sublinhou Isabel Moreira, que pediu um "sobressalto cívico" e prometeu não esquecer "a brutalidade" que aconteceu. "Não é assim que se constrói um país, não é assim que se honra Abril", vincou.
Ana Gomes, antiga candidata presidencial, também esteve no Martim Moniz para manifestar “solidariedade com cidadãos que trabalham, pagam os seus impostos” e “estão muito bem inseridos na comunidade” portuguesa.
“São imigrantes de quem nós precisamos. O que não precisamos é de os tratar como foram tratados na quinta-feira, humilhando-os naquela rusga à Rambo”, defendeu a socialista, em declarações à RTP, sublinhando que o que é preciso é “policiamento de proximidade, que se articula e conhece a comunidade”.
Pelo Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua acusou o Governo de “atacar pessoas que estão numa enorme fragilidade” e, por isso mesmo, considerou “normal” que os imigrantes tenham medo. "Não é aceitável o que aconteceu. (...) Foi um acto inédito, (...) foi desproporcional, foi direccionado a uma comunidade em específico", apontou.
Os bloquistas marcaram presença na concentração para frisar que “este tipo de acções policiais por parte do Governo não é aceitável” e para dizer que “em Portugal as pessoas não têm de viver com medo de acções de carácter racista e xenófobo, nem de exageros de violência desproporcional por parte da polícia”.
Já João Ferreira, dirigente do PCP e vereador da CDU na Câmara Municipal de Lisboa, sublinhou que “o que é justificado como sendo feito para incrementar o sentimento de segurança das populações (...) acaba por ter o efeito exactamente oposto”.
Lisboa é "cidade de Abril", onde o direito à segurança "não pode sacrificar outros direitos, liberdades e garantias, de ninguém", argumentou o comunista, defendendo que é preciso aprender com a história, porque todos podemos ser as vítimas de amanhã. A operação "suscita muitas dúvidas e reservas" ao dirigente do PCP e gerou um "alarme social totalmente injustificado".
Os imigrantes do Benformoso pertencem a "minorias desprotegidas, que a sociedade do 25 de Abril tem de proteger", vincou o capitão de Abril Carlos Matos Gomes, que marcou presença na marcha. A intervenção de quinta-feira lembrou-lhe "a polícia de choque a entrar pelas universidades", quando Portugal era uma ditadura. "O nazismo e o sionismo começaram exactamente pela discriminação racial, política, religiosa", recordou o historiador, denunciando "as falsidades" utilizadas pela extrema-direita para associar a imigração à insegurança.
Presidente da Associação de Defesa dos Direitos Humanos, Laura Vasconcelos classificou como "intolerável" a operação policial. "Não na minha cidade, não no meu país. Não se encostam as pessoas contra a parede, parecia um pelotão de fuzilamento", lamentou.
Imigrantes agradecem solidariedade
Várias personalidades distribuíram cravos de várias cores pelos imigrantes, explicando o significado da flor para a democracia portuguesa e o papel que tiveram na Revolução de Abril.
Moradores e comerciantes da zona, onde vivem e trabalham muitos imigrantes, acolheram o gesto com alegria e sublinharam a simpatia e o acolhimento da população portuguesa em geral. De um dos muitos restaurantes bengalis existentes na rua saiu um tabuleiro com jalebi, um doce popular em países asiáticos e africanos, neste caso feito de lentilhas e embebido em xarope de açúcar.
Os manifestantes receberam a oferta entoando o lema "25 de Abril sempre, fascismo nunca mais!" e a canção Grândola, Vila Morena, de Zeca Afonso, que já não é uma desconhecida para Roni Hussain. Empresário originário do Bangladesh, há já nove anos em Lisboa, disse que é "muito importante" receber apoios como o deste sábado. "Dão-nos mais energia", agradeceu. "Nós ficámos em Portugal só para trabalhar e ter uma vida boa", resumiu.
"Os portugueses estão a apoiar-nos e agradecemos muito, sabemos que a generalidade dos portugueses gosta de nós e nós também gostamos deles", vincou Nasser Shahid, dono de um restaurante bengali na rua. "A polícia está a tentar encontrar alguns criminosos, mas aquela não é a forma certa de os encontrar", considerou, realçando que a comunidade está disponível para ajudar. "Nós também queremos encontrar os criminosos, podem pedir a nossa ajuda (...). Nós vivemos aqui, temos negócios aqui, vemos e conhecemos muitos deles", garantiu. "Mas nós não somos criminosos, somos gente pacífica", realçou, enquanto segurava um cravo, do qual não sabia o nome, mas tinha a certeza de ser "um símbolo de amor".