Contos para ler, escutar e espantar fantasmas
Adivinhas, trava-línguas, lengalengas e contos inspirados no repertório tradicional português cantados ao som da concertina.
Um audiolivro que é também um espectáculo, Parlendário é o 7.º título da colecção HOT — Histórias Oralmente Transmissíveis, da editora Boca — Palavras Que Alimentam. “Uma colecção dedicada aos contadores de histórias e à literatura de tradição oral”, diz ao PÚBLICO a responsável pela editora, Oriana Alves. E acrescenta: “Uma edição em que se encontram autores que muito admiro e que mutuamente se admiram. Esperamos todos que tenha uma recepção semelhante ao espectáculo, que é sempre uma festa.”
Será apresentado neste sábado (11 de Novembro), em Oeiras, no Passa a Palavra! — Festa dos Ofícios do Narrar, às 11h e às 15h, no Palácio do Egipto.
Criado pela mesma dupla do audiolivro Contatinas, Luís Correia Carmelo e Nuno Morão dirigem-se agora aos mais novos, reunindo adivinhas, trava-línguas, lengalengas, parlendas e contos ao som da concertina.
“Desde que fiz as Contatinas com o Nuno Morão que andava a imaginar algo para os mais pequenos. Fui experimentando contar coisas com música (com a concertina, como nas Contatinas) nas escolas e bibliotecas por onde ia, fazendo as minhas sessões de contos, mas a coisa não estava bem encaminhada. Parecia-me que a música distraía, em vez de ajudar”, recorda Luís Carmelo, via email.
Ter sido pai entretanto ajudou-o nesta exploração de encontrar o caminho certo. “Foi em parte para e com os filhotes que estes textos foram surgindo, no jogo quotidiano. Os primeiros, levei-os logo comigo para o trabalho, fazia as músicas e punha-os a teste”, descreve. Mas refere que em casa “a concertina era proibida pelos pequenos”.
Revela ainda que “os textos mais recentes acalentaram os longos dias de confinamento”. Lembra-se de criar “os da primeira faixa, Medos, com o [filho] mais velho, respondendo à fascinação que ele tinha (e tem) pelas rimas, comum nestas idades”.
Final dessa primeira faixa: “(…) Vi uma vez um monstro que nunca mais voltei a ver igual/ Era vermelho com bolinhas amarelas/ Tinha 52 braços e 389 pernas/ Andava sempre aos saltinhos/ E na cabeça tinha 1.000.978 corninhos/ Tinha os olhos no rabo e a boca era na testa/ Vinha para me comer…/ Mas eu dei-lhe um biscoito e fiz-lhe uma festa.”
O narrador e colaborador do Instituto de Estudos de Literatura e Tradição da Universidade Nova de Lisboa e do Centro de Investigação em Artes e Comunicação da Universidade do Algarve informa ainda: “Surgiu uma hipótese de sedimentar tudo, com o apoio da DGArtes. Não houve hesitação em convidar o Nuno para se juntar à demanda. Tinha sido tão bom nas Contatinas.”
Muito lhe agrada ter companhia em cena, nos espectáculos: “É a melhor parte, confesso.” Reformulou textos, criou novos, compôs a maior parte das músicas, “sempre na experimentação com público à frente, e a coisa foi ganhando forma”.
Luís Carmelo conclui então: “Finalmente, a música começou a fazer sentido, creio eu, porque já não era apenas algo paralelo ao texto, mas entrelaçado. Ter o André da Loba a fazer as ilustrações foi mais uma grande alegria.”
Vários significados de “parlenda”
A editora explica-nos o título, Parlendário, como “uma colecção de textos tradicionais, injustamente considerados meio toscos e pouco profundos”. As primeiras definições de “parlenda”, segundo o dicionário de José Pedro Machado de 1965, são “bacharelice” e “palavreado”.
Já o dicionário online da Porto Editora, além de também se referir a “palavreado oco” e “conversa fútil, sem importância”, acrescenta-lhe o seguinte significado: “Sequência discursiva composta por palavras rimadas e/ou repetidas, que lhe conferem um carácter musical, enunciada para facilitar a memorização de algo, como divertimento infantil, etc.; lengalenga.”
Para Oriana Alves, “é importante dignificar os contadores de histórias e a tradição oral, e estas parlendas, ‘histórias descabeladas’, são elevadas a outro patamar”.
Assim, neste audiolivro-espectáculo, pode ler-se e escutar-se “histórias contadas e cantadas, que exploram o verso e a prosa, apresentam um vocabulário cuidado e diverso e propõem jogos de repetição, paralelismo e antecipação”.
As imagens recortadas do ilustrador André da Loba, além do belo efeito gráfico, emprestam ainda mais mistério e magia ao que é contado. Ao que parece, segundo se escreve numa das badanas, “divertiu-se muito a recortar as formas que acompanham estas histórias mirabolantes”. Também se fica a saber que, “com este livro, perdeu o medo dos fantasmas”.
Para terminar, uma adivinha: “Tenho doze damas/ Cada dama quatro quartos/ Todas têm meias/ Mas nenhuma usa sapatos/ Quem sou?” A solução está representada por uma imagem neste artigo. Toca a descobri-la.
(Pode escutar uma amostra do audiolivro aqui.)