Mamadou Ba condenado por difamar Mário Machado

Activista escreveu nas redes sociais que militante neonazi foi “uma das figuras principais do assassinato de Alcindo Monteiro”, em 1995. Terá de pagar uma multa de 2400 euros.

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Na primeira sessão do julgamento, activista disse não se arrepender do que escreveu nas redes sociais Daniel Rocha
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O activista anti-racista Mamadou Ba foi condenado esta sexta-feira no Campus da Justiça, em Lisboa, a pagar uma multa de 2400 euros por ter difamado Mário Machado, ao escrever nas redes sociais que o militante neonazi foi “uma das figuras principais do assassinato de Alcindo Monteiro”, em 1995. A advogada do arguido já anunciou que irá recorrer para o Tribunal da Relação e, se necessário for, para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Para a juíza responsável pela sentença, Joana Ferrer, o arguido não emitiu uma simples opinião, tendo imputado ao nacionalista "um facto falso e indiscutivelmente lesivo da sua honra", ao chamar-lhe assassino. "Mário Machado não assassinou Alcindo Monteiro. O mais elevado tribunal deste país, o Supremo Tribunal de Justiça, absolveu-o desse crime", sublinhou a magistrada, que fez questão de dizer que neste julgamento não esteve em causa nem o empenhamento político de Mamadou Ba no combate ao racismo nem "a homenagem devida" à vítima mortal dos neonazis.

Na noite de 10 de Junho de 1995, Dia de Portugal, Alcindo Monteiro, um jovem com ascendência cabo-verdiana, saiu de casa para ir dançar no Bairro Alto e acabou espancado até à morte na Rua Garrett por nacionalistas de extrema-direita. O jovem não foi o único agredido nessa noite, mas foi a única vítima mortal destes crimes de ódio racial.

Quando ocorreu o homicídio Mário Machado estava no Bairro Alto, onde, juntamente outros com nacionalistas de extrema-direita munidos de soqueiras, garrafas partidas e botas de biqueira de aço, protagonizou actos de violência também contra vários cidadãos negros.

A justiça condenou-o a dois anos e meio de cadeia por cinco crimes de ofensas corporais com dolo de perigo, tendo ficado provado que bateu na cabeça de uma das vítimas, espancada até perder os sentidos, com “um pau semelhante a um taco de baseball”. Porém, não fez parte do grupo de 11 sentenciados pelo homicídio.

E se daí para a frente Mário Machado somou uma série de crimes no seu currículo pelos quais cumpriu cadeia - roubo, sequestro, ofensas à integridade física e posse ilegal de armas –, já Mamadou Ba já foi alvo de mais acusações de difamação por parte de outras pessoas. "Mário Machado teve contacto com o sistema prisional mas já pagou a sua dívida para com a sociedade", disse ainda a juíza Joana Ferrer, recordando que as penas aplicadas pela justiça não são eternas e que o sistema prisional está orientado para a ressocialização. E aludiu também ao impacto que teve na família do neonazi - no filho, na mulher, na mãe - a acusação de homicídio de que foi alvo.

No mesmo sentido, no despacho de pronúncia em que desafiava Mamadou Ba a apresentar dados novos sobre o assassinato que comprovassem o que afirmava, o juiz de instrução Carlos Alexandre formulava algumas perguntas: “Pode uma pessoa carregar um anátema toda a vida imputando-se-lhe a participação num homicídio (…) objecto de aturado julgamento e com acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, onde é absolvido desse concreto crime, mas condenado por outro? E chamar a isso liberdade de expressão?”

Na primeira sessão do julgamento, o activista anti-racista disse não se arrepender do que escreveu sobre Mário Machado e explicou que este não era o "alvo" das suas "preocupações em particular, mas sim daquilo que representa como projecto de sociedade".

"Todas as pessoas que estiveram naquele jantar para preparar o 10 de Junho de 1995 são responsáveis pelas atrocidades que aconteceram naquela noite", afirmou, dando como exemplo o que aconteceu com um antepassado seu que foi assassinado pelos nazis: "Não foi Hitler que deu um tiro ao meu tio-avô, mas foi ele o responsável pela sua morte."

"Acolher os algozes"

O Ministério Público tinha pedido a condenação do arguido. Mamadou Ba assistiu à sua condenação por videoconferência a partir do Canadá, país onde está a morar, tendo a sua advogada, Isabel Duarte, lido no final uma mensagem sua na qual acusa o Estado português de ter escolhido, com esta decisão, "acolher os algozes e abandonar as vítimas da violência racial".

"Quando o Estado deixou que as suas instituições fossem capturadas pela extrema-direita, a consequência é que a justiça branqueia um confesso criminoso neonazi", indigna-se o activista, que faz questão de manter tudo quanto escreveu.

À saída do tribunal a presença de um grupo de apoiantes de Mamadou a apodarem Mário Machado de assassino obrigou o queixoso a abandonar o Campus da Justiça sob escolta policial. Antes disso, o nacionalista disse aos jornalistas presentes que esta era uma vitória contra toda a esquerda portuguesa, lembrando que figuras como Francisco Louçã e Francisca van Dunem testemunharam neste julgamento a favor do arguido. Podia ter pedido uma indemnização ao arguido, mas optou por não o fazer: "Não preciso do dinheiro destas pessoas".

Já o seu advogado, José Manuel Castro, qualificou a sentença como histórica e corajosa, por revelar "um Estado de direito livre de pressões políticas".

Na rede social X, o antigo Twitter, a líder do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, mostrou o seu desagrado: "​Mário Machado, um neonazi condenado, fez parte do grupo que espalhou o terror na noite em que mataram Alcindo Monteiro. É incompreensível que Mamadou Ba seja condenado por constatar este facto. Espero que em em segunda instância se anule esta decisão".

Também o movimento SOS Racismo expressou a sua indignação perante "a decisão do tribunal em acompanhar a vontade de um confesso neonazi".

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