Frase de Mamadou Ba “é evocação do tempo que se viveu nessa altura”, diz Louçã

Francisco Louçã foi ouvido como testemunha no julgamento em que Mamadou Ba responde por difamação, publicidade e calúnia, num processo colocado pelo militante neonazi Mário Machado.

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O julgamento de Mamadou Ba decorre no campus da Justiça, em Lisboa Daniel Rocha
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Para Francisco Louçã, antigo líder do Bloco de Esquerda e ex-conselheiro de Estado, a frase que levou o activista anti-racismo, Mamadou Ba, a sentar-se como arguido no tribunal, mais não é do que “uma evocação do tempo preciso do que se viveu nessa altura” porque o “assassinato de Alcindo Monteiro foi traumático”.

“Para mim e para muitas pessoas o assassinato foi traumático. Não é comum em Portugal assistir-se a assassinatos por um grupo numa partida de caça”, afirmou, sublinhando que conhece o acórdão que sentenciou os que participaram naquele crime e que considera que o mesmo “confirma a culpabilidade grupal numa acção que resultou na morte de Alcindo Monteiro”.

Mamadou Ba está a ser julgado por difamação, publicidade e calúnia, num processo colocado pelo militante neonazi por ter escrito que Mário Machado era “uma das figuras principais do assassinato de Alcindo Monteiro”, em 1995.

Questionado por José Manuel Castro, advogado de Mário Machado, se leu o acórdão e se percebeu que o seu cliente foi condenado por outro crime e absolvido do assassinato de Alcindo Monteiro, Francisco Louçã não respondeu directamente.

O antigo líder do Bloco de Esquerda disse apenas que fundamentava a sua convicção com base na “fundamentação da decisão” e não na parte do dispositivo do acórdão onde estão descritas as condenações e absolvições.

“Reporto-me ao acórdão”, afirmou, citando algumas frases e sublinhando que “o tribunal fala de uma postura colectiva grupal de exaltação e de perseguição a indivíduos de raça negra, a que todos aderiram, agredindo pelo caminho todos os que se cruzassem e que fossem de raça negra”.

Para Louçã as “conclusões do tribunal são transparentes na motivação e na actuação em grupo”. “O tribunal diz que houve um fenómeno associativo, quer ao nível da idealização e da execução material do crime”, sustentou, revelando que esteve “durante seis anos no Conselho de Estado” e que entre os temas abordados estiveram questões relacionadas com a “segurança e como a democracia se exprime e organiza”.

"Democracia é destruída por dentro se os ódios forem instrumentalizados"

“É amplamente consensual a ideia de que a democracia é destruída por dentro se os ódios forem instrumentalizados como forma de ameaça à segurança das pessoas”, afirmou Louçã, acrescentando que “a banalização do discurso da agressão não pode existir”.

Também foram ouvidos esta sexta-feira como testemunhas da defesa de Mamadou Ba, a jornalista Diana Andringa, o antropólogo e antigo deputado socialista Miguel Vale de Almeida e Cristina Gomes da Silva, ex-directora da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal.

Todos foram unânimes na descrição que fazem de Mamadou Ba como uma figura que se destaca no combate ao racismo e fizeram a mesma interpretação que Louçã no que diz respeito à questão da “responsabilidade grupal” de quem esteve envolvido nos eventos na noite em que Alcindo Monteiro foi assassinado.

Destacou-se, no entanto, Miguel Vale de Almeida que sublinhou o facto de “muitos políticos”, nos seus discursos, colocarem “o racismo e o anti-racismo no mesmo plano”.

“Não é a mesma coisa. O racismo mata, mas o anti-racismo não porque contesta a violência sobre as pessoas”, afirmou.

Alcindo Monteiro foi espancado até à morte na Rua Garrett, em Lisboa, numa noite em que os skinheads tinham saído à rua para comemorar o 10 de Junho, para eles o "Dia da Raça", perseguindo e atacando pessoas de origem africana.

Apesar de Mário Machado ter sido um deles, quando ocorreu o homicídio estava no Bairro Alto, onde, juntamente com outros "cabeças-rapadas" munidos de soqueiras, garrafas partidas e botas de biqueira de aço, protagonizou actos de violência também contra vários cidadãos negros.

A justiça condenou-o a dois anos e meio de cadeia por cinco crimes de ofensas corporais com dolo de perigo, tendo ficado provado que bateu na cabeça de uma das vítimas, espancada até perder os sentidos, com "um pau semelhante a um taco de baseball". Porém, não fez parte do grupo de 11 "cabeças-rapadas" sentenciados pelo homicídio.

Mamadou Ba escreveu nas redes sociais que o neonazi era uma “das figuras principais do assassinato de Alcindo Monteiro” e Mário Machado apresentou uma queixa-crime contra o activista.

Esta não é a primeira acusação de difamação de que o activista é alvo. No despacho de pronúncia em que desafia Mamadou Ba a apresentar dados novos sobre o assassinato que comprovem o que afirmou, o juiz de instrução formula algumas perguntas: “Pode uma pessoa carregar um anátema toda a vida imputando-se-lhe a participação num homicídio (…) objecto de aturado julgamento e com acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, onde é absolvido desse concreto crime, mas condenado por outro? E chamar a isso liberdade de expressão?”

As alegações finais ficaram marcadas para dia 14 de Julho.

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