Líder do Livre desmente Mário Machado no julgamento de Mamadou Ba

Rui Tavares foi testemunhar na terceira sessão do julgamento de Mamadou Ba, que responde por difamação, publicidade e calúnia, num processo colocado pelo militante neonazi Mário Machado.

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O activista anti-racismo Mamadou Ba está a ser julgado no Campus da Justiça, em Lisboa Daniel Rocha
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A terceira sessão do julgamento de Mamadou Ba ficou marcada pelo depoimento de Rui Tavares, líder e deputado do Livre, que foi ao tribunal dizer que não se retractou do que escreveu sobre Mário Machado e que mantém a sua convicção: “Os crimes do dia 10 de Junho de 1995 aconteceram numa intenção colectiva de perseguir uma raça.”

O activista anti-racismo Mamadou Ba está a ser julgado por difamação, publicidade e calúnia, num processo colocado pelo militante neonazi por ter escrito que Mário Machado era “uma das figuras principais do assassinato de Alcindo Monteiro”, em 1995.

Rui Tavares desmentiu o que Mário Machado disse na última sessão de julgamento quando explicou porque não avançou com processos contra outras pessoas.

Isabel Duarte questionou Mário Machado sobre o total de queixas apresentadas por afirmações de que seria o assassino de Alcindo Monteiro, rejeitando que tenha desistido das outras e dado continuidade à de Mamadou Ba por este ser negro.

Inquieto, Mário Machado começou por explicar que desistiu da queixa contra Rui Tavares por este ter feito um desmentido público de um texto de opinião em que o acusava de ser o assassino de Alcindo Monteiro, algo que "foi o suficiente". Já quanto ao jornalista Daniel Oliveira, disse que só não avançou com uma queixa porque foi ultrapassado o prazo legal para o poder fazer.

Esta sexta-feira, Rui Tavares disse: “Não houve nenhuma acção contra mim, mas eu não me retractei.”

O líder do Livre explicou que de facto fez um segundo artigo de opinião e que, baseando-se na leitura do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), considera que reafirmou as suas convicções. “Houve uma responsabilidade colectiva nos acontecimentos”, sublinhou.

Ora, mas afinal o que escreveu Rui Tavares que poderia levar Mário Machado a colocar-lhe um processo por difamação? No dia 8 de Junho de 2018, a propósito dos 23 anos da morte de Alcindo Monteiro, entre várias considerações, Rui Tavares escreveu o seguinte: “Por outro lado, um dos criminosos que o mataram está em todo o lado, na TV, nos jornais e nas redes sociais. Chama-se Mário Machado e está nas notícias por causa do futebol, mas poderia ser outra coisa qualquer. Durante todos estes anos, sempre que não esteve preso por um dos seus vários crimes — não só as agressões que levaram à morte de Alcindo Monteiro, mas diversas outras condenações por extorsão, posse de arma ilegal, ofensas à integridade física, coacção agravada e discriminação racial —, Mário Machado conseguiu sempre um acesso fácil ao tempo de antena por que tanto anseia.”

E porque é que o líder do Livre diz que não se retractou numa segunda opinião? Perante o tribunal, Rui Tavares explicou que depois de ter publicado a primeira crónica foi chamado à atenção para um direito de resposta feito por Mário Machado ao Observador, que publicou um longo perfil a seu respeito. Nesse direito de resposta, Mário Machado dizia que tinha sido condenado por “ofensas corporais simples” por se ter defendido do “ataque de um grupo de cerca de 15 indivíduos de raça negra”, e sublinhava que não esteve envolvido no homicídio de Alcindo Monteiro.

O líder do Livre disse que decidiu documentar-se e ler o acórdão do Supremo. Rui Tavares diz que ficou impressionado com a descrição longa, que ocupa várias páginas do acórdão, das agressões que as vítimas sofreram.

Na segunda crónica que dedica ao tema, Rui Tavares começa por escrever:“A primeira conclusão é que é verdade que Mário Machado não foi condenado pela morte de Alcindo Monteiro: o grupo de cabeças rapadas que perpetrou os ataques racistas dividiu-se em dois para depois se reencontrar num ponto pré-combinado, e o grupo que atacou Alcindo Monteiro não contava com Mário Machado.”

Mas depois acrescenta que, quanto a “não estar envolvido”, expressão ambígua, é o próprio Supremo que distingue entre o plano da responsabilidade moral e o plano da condenação criminal ao concluir sobre todos os criminosos que “cada co-autor é responsável pela totalidade do evento, [o que] não obsta a que a culpa de cada um seja apreciada individualmente, nos termos do art. 29º do C[ódigo] P[enal]”.

Entre as testemunhas também esteve o jornalista Paulo Pena, que falou sobre o percurso de Mário Machado, que sempre esteve ligado a movimentos que incentivam a violência política e o racismo. Paulo Pena também disse que a ideia que retira dos acórdãos do caso dos crimes de 10 de Junho de 1995 é que houve uma responsabilidade colectiva nos acontecimentos que levaram à morte de Alcindo Monteiro.

Alcindo Monteiro foi espancado até à morte na Rua Garrett, em Lisboa, numa noite em que os skinheads tinham saído à rua para comemorar o 10 de Junho, para eles o "Dia da Raça", perseguindo e atacando pessoas de origem africana.

Apesar de Mário Machado ter sido um deles, quando ocorreu o homicídio estava no Bairro Alto, onde, juntamente com outros "cabeças rapadas" munidos de soqueiras, garrafas partidas e botas de biqueira de aço, protagonizou actos de violência também contra vários cidadãos negros.

A justiça condenou-o a dois anos e meio de cadeia por cinco crimes de ofensas corporais com dolo de perigo, tendo ficado provado que bateu na cabeça de uma das vítimas, espancada até perder os sentidos, com "um pau semelhante a um taco de baseball". Porém, não fez parte do grupo de 11 "cabeças rapadas" sentenciados pelo homicídio.

Mamadou Ba escreveu nas redes sociais que o neonazi era uma “das figuras principais do assassinato de Alcindo Monteiro”, e Mário Machado apresentou uma queixa-crime contra o activista.

Esta não é a primeira acusação de difamação de que o activista é alvo. No despacho de pronúncia em que desafia Mamadou Ba a apresentar dados novos sobre o assassinato que comprovem o que afirmou, o juiz de instrução formula algumas perguntas: “Pode uma pessoa carregar um anátema toda a vida imputando-se-lhe a participação num homicídio (…) objecto de aturado julgamento e com acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, onde é absolvido desse concreto crime, mas condenado por outro? E chamar a isso liberdade de expressão?”

Entre as testemunhas de defesa está ainda, além da ex-ministra da Justiça Francisca Van Dunem, que já testemunhou por escrito, o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, a diplomata Ana Gomes e o ex-líder do BE Francisco Louçã, o ex-deputado Miguel Vale de Almeida e os jornalistas Diana Andringa e Daniel Oliveira.

O julgamento deverá continuar no próximo dia 2 de Junho, tendo a juíza Joana Ferrer já designado o dia 14 de Julho para as alegações finais.

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