Artur quer saber o que é um poema
A mãe de um rapaz preocupado com a morte iminente do seu peixe vermelho sugere que lhe dê um poema. Depressa.
Perante a aflição do pequeno Artur, convencido de que o seu peixe Leo iria morrer de tédio, a mãe disse-lhe, a sorrir. “Então, dá-lhe depressa um poema!”
Mas o rapaz não sabia o que isso era. Procurou na despensa, no armário das vassouras, debaixo da cama. Nada. Acabou por ir perguntar a várias pessoas. E chegou afinal a bonitas conclusões.
“É como estarmos apaixonados: temos o céu na boca”, disse-lhe o vendedor de bicicletas, que as consertava a cantar. “Conheço um que é quente como o pão; o seu sabor permanece na boca, mesmo depois de comido”, descreveu-lhe a padeira, a dona Rosa. “Um poema é escutar o bater do coração das pedras”, respondeu-lhe sem hesitar o velho Mahmoud, que veio do deserto “e rega os seus rodoendros todos os dias às nove horas em ponto”.
Mais respostas felizes obteve o protagonista de um livro que convida o leitor a procurar o poético que por aí anda e a transformá-lo num texto/poema.
Sábios na definição foram o canário, a avó e até o avô, “que escreve poemas… em vez de consertar a banheira”. A todos, o rapaz retorquiu: “Ah, está bem.”
João Manuel Ribeiro, o editor da Trinta por Uma Linha, explicou ao PÚBLICO as suas motivações para o divulgar em Portugal: “Decidi editar Um Poema para Curar os Peixes, de Jean-Pierre Siméon, no seguimento da edição anterior do livro A Vitamina P — A Poesia, porquê, para quem, como?, em 2015. Este livro possibilitou-nos a descoberta deste poeta e autor de literatura infantil e juvenil.”
Tradução desafiante
O também escritor prossegue assim a sua justificação para ter obtido os direitos de venda em Portugal: “A escolha da edição deste livro deveu-se ao facto de o considerar o melhor e mais acabado exemplo do que pode entender-se por poesia: inefável, indispensável supérfluo e tremendamente polissémica. Além disso, pareceu-me que era o livro adequado para dizer às crianças e jovens o que é / pode ser a poesia.”
Sobre a tradução, que chamou a si, descreve: “Foi relativamente simples, dado que o texto, apesar de poético, se centra no essencial e não se perde em rebuscados inúteis. Algumas conjugações verbais articulam-se de forma ‘estranha’ com o sujeito, mas isso pode chamar e cativar a atenção dos pequenos leitores. Não foi difícil a tradução, mas agradavelmente desafiante.”
Por último, o editor manifesta um desejo: “Espero que a poesia deste texto cure muitos peixes e leve muitos miúdos à procura do que seja a poesia.”
As ilustrações de Olivier Tallec são igualmente poéticas e envolventes, ampliando e enriquecendo a narrativa. A representação de vários abraços torna o livro (ainda mais) ternurento.
Nascido na Bretanha, em 1970, o ilustrador formou-se na Escola Superior de Artes Gráficas de Paris. Trabalhou em publicidade como designer gráfico e dedicou-se depois à ilustração. Gosta de têxteis e de outras formas da cultura popular.
Voltando ao livro: Artur não chegou a perguntar ao pai o que era um poema. Suspeitamos de que, tal como o peixe vermelho, ter-lhe-ia respondido que o seu poema “é o silêncio”. E o rapaz diria: “Ah, está muito bem!” Noutra versão: “Está tudo óptimo.” O peixe curou-se.