Barbie, boneca de luxo

Sátira ao capitalismo, enorme anúncio a um brinquedo, objecto pop multicolorido — Greta Gerwig fez tudo isto e uma exploração da inocência perdida quando crescemos.

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Podemos começar a falar de Barbie pela dimensão autoral deste projecto aparentemente de puro marketing: ao entregar a ideia de um filme sobre um brinquedo a Greta Gerwig, não se terá percebido que se estava a entregar à actriz de Frances Ha e realizadora de Lady Bird e Mulherzinhas a tela ideal para ela prosseguir a sua investigação da experiência feminina, da passagem da inocência adolescente ao desencanto da idade adulta.

Ou podemos começar a falar de Barbie pela dimensão de comédia satírica que tem em comum com alguns dos objectos mais interessantes do humor americano contemporâneo — a tradição herdada da televisão, recorrendo a um humor auto e metarreferencial que absorve, digere e regurgita a cultura pop americana do último meio século. E, para o provar, estão aqui vedetas como Kate McKinnon ou Issa Rae, e actores de primeiro plano dispostos a satirizarem a sua própria imagem (à cabeça um Ryan Gosling deliciado). Só faltam mesmo as culottes de As Férias Loucas de Barb e Star, filme que parece ter sido uma espécie de “precursor” da abordagem de Gerwig à boneca simultaneamente mais famosa e infame do mundo, uma das criações mais perenes e reconhecíveis da cultura consumista capitalista do pós-Segunda Guerra Mundial.

Por onde, então, começar a abordar este monstro de Frankenstein? Porque qualquer uma das leituras acima é aplicável a Barbie. Existe, no entanto, uma outra que convém não esquecer: o simples prazer. Porque, por muito existencialista, satírico, promocional, cor-de-rosa, crítico, autoconsciente que este enorme objecto pop possa ser, no fundo ele é exactamente isso: um objecto pop. Uma bugiganga colorida e refrescante que sabe que o é e, de certo modo, se espraia nesse contexto.

Greta Gerwig está fartinha de saber que tudo na Barbie não passa de imagem, projecção utópica de um mundo ideal que supostamente valoriza e empodera as mulheres, enquanto no “mundo real” o patriarcado usa essa linguagem como cortina de fumo para desviar as atenções do seu poder. E vai de perpetuar precisamente essa imagem ao mesmo tempo que a corrói por dentro com uma graça apenas aparentemente descartável, lançando no processo uma deliciosa sátira da nova masculinidade americana pós-trumpiana com as suas obsessões consumistas, brincando com a própria ideia do que pode ser um franchise cinematográfico que pensa.

Nada disto é especialmente novo, já outros o fizeram. O que faz a diferença desta Barbie é que, no centro de tudo isto, há uma peculiar nostalgia da inocência de outros tempos: a Barbie (uma incrível Margot Robbie) é a mulher perfeita estereotipada que se recusa a crescer, mas que às tantas percebe que a inocência não dura para sempre e o que é importante é tentar manter dela o que é possível manter quando entramos na idade adulta. Era disso que falava Lady Bird, era disso que falava Mulherzinhas, é disso que fala Barbie: de crescermos. Pelo meio de uma grande e multicolorida bola de espelhos pop, claro, com direito a números musicais propositadamente azeiteiros, e com a frescura passageira de um sorvete de Verão.

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