Alinham na aceitação dos dias maus? Uma birra pelo fim da procura pela perfeição
Quantas de nós não tentamos “corrigir” imediatamente o seu mal-estar? Quantas vezes é que lhes damos verdadeiramente o direito a ficarem chateados ou amuados, sem ir logo tentar apaziguar?
Querida Mãe,
Proponho fazer uma birra em defesa dos dias maus. No nosso mundo de comparação constante andamos todos, sobretudo enquanto pais, à procura da perfeição. Queremos ser os pais perfeitos — como os da Bluey ou do Ruca —, e queremos que os nossos filhos sejam os filhos perfeitos. Queremos que as nossas gavetas estejam perfeitas. Que os nossos corpos estejam perfeitos. E se é óbvio o dano que estas metas irrealistas provocam na nossa saúde mental e auto-estima, pressinto que ainda não ponderámos bem no mal que podem fazer aos nossos filhos. O que lhes estamos a ensinar — ainda que da boca para fora digamos “Adoramos-te como és”, “Os corpos são todos bonitos”, etc — é que o imperfeito, o desarrumado, o não linear, o diferente, são caminhos, mas nunca o destino final. Acredito profundamente que é mais útil aprendermos a sentirmo-nos confortáveis numa casa mais desarrumada (dentro do bom senso) do que precisarmos de ter “as gavetas arrumadas para arrumar a cabeça.”
E a prova de que é assim confirma-se quando percebemos como lidamos com tanto desespero com os dias maus dos nossos filhos. Quantas de nós não tentamos “corrigir” imediatamente o seu mal-estar? Quantas vezes é que lhes damos verdadeiramente o direito a ficarem chateados ou amuados, sem ir logo tentar conversar, apaziguar, pedir explicações? Mãe, suspeito que são muito poucas. E é difícil, de facto, mas é importante porque transmite duas coisas: Aceito-te no teu todo, mesmo com os teus dias maus, e desmistifica a ideia de que as emoções são ou negativas ou positivas, quando na realidade as emoções são apenas o que são.
Alinha comigo na aceitação dos dias maus?
Beijinhos
Querida Filha,
Em teoria alinho completamente; na prática, não sei se consigo, mas posso tentar. Sinto sempre um impulso quase incontrolável de pôr um penso rápido nas feridas dos outros, mesmo que o conselho médico mais sensato fosse o de deixar o corte ao ar. Move-me seguramente o desejo de atalhar o sofrimento alheio, o que até me fica bem, mas à medida que envelheço percebo que é também um movimento de autodefesa, porque a angústia é muito contagiante. Quanto mais depressa apagarmos o foco de tristeza, mais seguros nos sentimos de não “apanhar” a doença.
O nosso objectivo devia ser mesmo a “empatia qb”, a capacidade de valorizar o que os nossos filhos estão a sentir, dando-lhes espaço e tempo para a nuvem passar, com alguma tolerância extra para monossílabos, e respostas tortas, mas com a consciência de que não devemos tomar as suas dores como nossas. Até porque, pelo menos eu, depois de um primeiro momento de solidariedade, acabo por ficar irritada com a vossa “ingratidão”, magoada com os vossos “chega para lá!”, e furiosa comigo mesma por ter sido incapaz de encolher os ombros e ir à minha vida. Sinceramente, tenho a certeza de que seria melhor para todos.
Como em tudo este exercício requer prática. Daqui a uns meses reporto-te se resultou.
O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.