Ir ao restaurante do Yeatman, duas estrelas Michelin, sem comer animais ou beber vinho
O menu Evolução de Aromas vegetariano tem o mesmo protagonismo, o mesmo número de momentos e o mesmo preço que o menu clássico preparado pelo chef Ricardo Costa.
Quando em Outubro de 2020, na mouche da pandemia, nos sentámos sozinhos numa mesa do The Yeatman a saborear um desfile de momentos vegetarianos, Ricardo Costa desvendava "coisas espectaculares" do mundo vegetal, dando o papel principal ao aipo, ao tomate, ao alho francês e à couve-flor, habituados a papéis secundários. Dizia-nos o chef quase quatro horas depois que desde a sua abertura, em 2010, o The Yeatman serve um menu “completamente” vegetariano com uma lógica semelhante à do “menu normal”, mas que deixaram de o publicitar por falta de adesão. Mas eis que, em pouco tempo, tudo muda.
Passados dois anos e uns trocos, chega ao nosso e-mail um convite para a apresentação das propostas para o arranque da nova temporada 2023 do restaurante com duas estrelas Michelin no qual era dado aos jornalistas a possibilidade de escolherem entre o menu clássico e o menu vegetariano — isto para além de um suplemento de bebidas não alcoólicas que faria frente ao suplemento vínico da carta do restaurante do luxuoso hotel vínico, pousado sobre as adegas de Gaia e com vistas deslumbrantes sobre o Porto.
Ricardo Costa chama a ambos os menus de degustação Evolução de Aromas e os seus olhos nunca esconderam o seu filho preferido, com lagostim, leitão e pele de frango, suspiro de bacalhau e caviar, gambas e santolas, linguado, enguia e tamboril, nomes de animais que significam mesmo partes de animais e não outras coisas quaisquer. "A experiência é semelhante", vai dizendo o anfitrião num dos terraços do hotel onde, lado a lado, como que separados à nascença, foram servidos três snacks clássicos e outros tantos vegetarianos: pepino, caviar de gengibre e nori; cozido português (couve, cogumelos e caldo de legumes) e suspiro de tomate.
"É uma tendência que temos que ir acompanhando. O nosso objectivo não é a comida vegetariana, mas temos que ter alternativa para os nossos clientes", justifica Ricardo Costa. "Adaptamos."
Era à escolha do freguês, e por isso — porque vários jornalistas já haviam testado a perícia de Ricardo Costa com a sua "cozinha aportuguesada" ou por mil outras razões que levam as pessoas a comerem comida à base de vegetais — os fregueses dividiram-se na escolha da Evolução de Aromas, que tem uma segunda etapa na cozinha. Aviso: "Todos os clientes passam pela cozinha!" A chefs table, diz o chef, serve principalmente para "quebrar o gelo" entre comensais e quem prepara o repasto. "Entram e perguntam 'Está sempre assim tão calmo? Está sempre assim tão limpo?' Passados tantos anos, sim", sorri Ricardo Costa, enquanto exibe uma manada de caranguejos de casca mole vivinhos da Silva. Para nós, beterraba nitro e um trio composto por waffle, brunesa de aipo e maçã e caviar de ovo.
Na sala de refeições, para os mais atrevidos e curiosos ou criativos e experimentalistas, foram sendo servidos em copos de pé alto as tais bebidas não alcoólicas que emparelharam com a passarela de vegetais desconstruídos — já depois de um gin tónico aromatizado com pepino —, uma "alternativa" que, segundo Elisabete Fernandes, directora de Vinhos do The Yeatman desde 2021, surge face à "procura crescente" de mercados como por exemplo o asiático. A saber: infusão Quinta de Santiago com aromas de Alvarinho, Kombu Viva Green e Kombu Viva Rosé, água de tomate com amoras e cerejas e nuances de Porto Tawny, que é como quem diz, perdoe-se o sacrilégio, "Vinho do Porto desalcoolizado".
Três horas depois, tínhamos engolido momentos de salada de tomate, batata-doce (ajo blanco, tremoço e salicórnia), cebola e alcachofra, couve-flor, aipo (talharim de curgete, Queijo da Serra e beurre blanc), arroz de alho francês e açafrão e beringela. E ainda ovos-moles, tripa de chocolate e mais um trio de mignardises.