Maus tratos na infância são muitas vezes invisíveis e todos são precisos no combate

No mês da prevenção contra os maus tratos na infância, a presidente da Comissão Nacional de Protecção das Crianças, Rosário Farmhouse, sublinha que “proteger as crianças compete a todos”.

Foto
Rosário Farmhouse: "Todos nós temos uma responsabilidade imensa, enquanto adultos, de estarmos atentos às crianças que estão à nossa volta" Daniel Rocha/Arquivo

Os maus tratos na infância são muitas vezes invisíveis e difíceis de identificar, alerta Rosário Farmhouse, presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ). O facto justifica que as comissões acompanhem anualmente cerca de 70 mil crianças, refere.

Abril é o mês da prevenção contra os maus tratos na infância, desde que, em 1989, uma mulher norte-americana amarrou uma fita azul na antena do carro, em homenagem ao neto, vítima mortal de maus tratos, tendo escolhido aquela cor para simbolizar a cor das lesões.

Para a dirigente da CNPDPCJ, “nunca é de mais chamar a atenção para que proteger as crianças compete a todos”.

“Todos nós temos uma responsabilidade imensa, enquanto adultos, de estarmos atentos às crianças que estão à nossa volta e de podermos protegê-las devidamente. Parece que já passaram muitos anos e que já não é preciso, mas infelizmente ainda é preciso termos estes momentos de chamada de atenção para a prevenção de maus tratos na infância”, defende Rosário ​Farmhouse.

Segundo a responsável, trata-se de uma realidade “muitas vezes invisível” e sobre a qual é difícil perceber os sinais.

“Passaram-se muitos anos, mas a verdade é que, em muitos países, apesar de termos este mês internacional de prevenção dos maus tratos na infância, continuamos a ter crianças a serem vítimas de maus tratos de forma invisível”, apontou.

De acordo com Farmhouse, todos os anos as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) acompanham cerca de 70 mil crianças e recebem mais de 40 mil comunicações de perigo, em que as tipologias mais frequentes têm a ver com negligência. Em causa, tanto podem estar situações de omissão de cuidados, indiferença em relação ao crescimento da criança e ausência de condições mínimas para um crescimento integral e seguro, como casos de violência doméstica ou abandono escolar precoce.

Comportamentos de perigo

Por outro lado, Rosário Farmhouse​ refere que há também comportamentos de perigo na infância e juventude, em que os próprios têm comportamentos que representam um perigo, não conseguindo os pais ou cuidadores lidar com as situações, que vão de bullying, consumo de drogas, álcool a dependência de jogo. De acordo com a presidente da CNPDPCJ, estas são as tipologias que mais aparecem, tendo sublinhado que os comportamentos de perigo na infância e juventude “continuam com uma expressão muito grande” e tendem a começar cada vez mais cedo, com casos que envolvem crianças com apenas 11 anos.

A dependência do jogo, por exemplo, apresentou “um ligeiro aumento”, com Farmhouse a alertar para a dependência do ecrã, apontando que, quando não há supervisão parental, as crianças podem estar a colocar-se em perigo mesmo estando dentro de casa, ficando vulneráveis a perigos como o sexting [aliciamento para acto sexual] ou o ciberbullying [agressão e coacção], através da Internet.

Rosário Farmhouse sublinha ainda que os maus tratos na infância são transversais na sociedade e que “estão presentes em todas as classes sociais”, denunciando que nas classes socioeconómicas mais favorecidas os casos “muitas vezes se tornam mais invisíveis porque têm formas de disfarçar melhor” e “quem está à volta não está tão atento”.

“Nesse sentido, esta campanha do mês de Abril é muito [uma] chamada de atenção para combater a indiferença de quem está à nossa volta e ficarmos na certeza que quem comunica situações de perigo o está a fazer para bem da criança e não contra ninguém”, defende.

A dirigente sublinha ainda que uma actuação atempada e uma intervenção adequada são os únicos modelos que funcionam no combate aos maus tratos na infância e que, por isso, todos são “poucos para fazer este caminho de prevenção”.

Rosário Farmhouse destaca que no dia 28, para terminar de assinalar o mês, vai decorrer no Terreiro do Paço, em Lisboa, a construção de um laço azul, tal como noutros pontos do país, com a ajuda de 1500 crianças.

O mês da prevenção contra os maus tratos na infância tem vindo a ser assinalado pelas 300 CPCJ dispersas no país, em conjunto com a Comissão Nacional, com inúmeras iniciativas, desde seminários, caminhadas, concursos de música ou poesia, até edifícios simbólicos que, em cada concelho, se iluminam de azul.