Quem é Andreia Reimão: dos desenhos de criança à passerelle do Portugal Fashion

A vencedora do concurso Bloom apresenta a primeira colecção, nesta quarta-feira, na 52.ª edição do Portugal Fashion. Trata-se de uma subversão ao vestuário clássico masculino.

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A criadora tem 23 anos e é natural de Marco de Canaveses Ugo Camera/Portugal Fashion

Quando era criança, sonhava com o mundo da moda, a idealizar o dia em que montaria o seu próprio desfile. Na Internet, passava horas à procura das apresentações das grandes casas de moda e até fazia desenhos das peças que gostaria de ver nas modelos. Depois de vencer o concurso de novos talentos Bloom, esse sonho de Andreia Reimão vai tornar-se realidade, nesta quarta-feira, com o primeiro desfile no Portugal Fashion (PF).

“Comecei a ter maior interesse por moda por volta dos 12 anos. Mas o meu fascínio não era só com as peças, mas sim com todo o universo e identidade que as marcas criam”, começa por contar a jovem de 23 anos, em conversa com o PÚBLICO, dias antes de se estrear no PF. Rapidamente esse encanto se materializaria nos primeiros desenhos, que “nunca passaram mesmo à prática”, apesar de já saber costurar.

Ainda hoje tem o mesmo fascínio pelo momento de um desfile, que acredita ir muito além das peças que cruzam a passerelle. “Não estamos a vender às pessoas uma peça de roupa, mas sim uma parte da nossa identidade. Se calhar é algo que gostariam de ter ou de ser ─ estamos a vender um pedaço de um sonho”, defende, definindo aquele momento como “uma escapatória do mundo real”.

A imaginar o dia em que as suas peças estariam a pisar a passerelle de uma semana de moda, a jovem de Marco de Canaveses decidiu estudar moda aos 16 anos, no ensino secundário. “Queria perceber se era mesmo aquilo que queria porque, às vezes, temos uma ilusão do que é a moda e não é bem o mesmo”, sublinha. Só quando se estuda é que se compreende que o design vai muito além do momento de desenhar ou do tão ansiado desfile. “Não é uma coisa que se cria de um dia para o outro, é um trabalho de meses que exige uma maturidade criativa”, assevera.

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A colecção com que venceu o Bloom Ugo Camera/Portugal Fashion

Feita a prova de fogo, não restavam dúvidas. Foi na Modatex que começou a desenhar o ofício como o seu futuro e participou, por duas vezes, no Sangue Novo, o concurso da ModaLisboa para jovens criadores. “Estar no meio da ModaLisboa é incrível. Na bolha de uma sala de aula não se tem acesso a essas coisas”, recorda. Apesar de ter sido uma das finalistas em 2021, não venceu.

Essa oportunidade encontrou-a no Bloom do PF, onde se viria a sagrar vencedora em Outubro de 2022. Apesar de ter aproveitado ambas as oportunidades, Andreia Reimão defende que, num país como Portugal, não se justifica ter duas semanas de moda, “quando não temos consumidor”. E reforça: “Não é qualquer português que compra roupa de criador, porque a própria economia do país não permite.”

Como tal, apesar de ainda estar a dar os primeiros passos, sabe que a moda de autor portuguesa é feita a pensar no estrangeiro e no retalho além-fronteiras: “Ainda assim, acho que Portugal é uma boa base para se ter uma marca, porque temos acesso a uma indústria muito boa e bons materiais. Não temos é público suficiente para sustentar uma marca.”

Andreia Reimão está a aprender com os criadores portugueses que melhor entenderão do assunto actualmente. Quando não está de volta das suas próprias criações, trabalha com a dupla Ernest W. Baker, de Inês Amorim e Reid Baker ─ uma experiência que considera essencial no seu percurso. “Só temos noção como é que as coisas funcionam estando dentro de uma marca que vende para o mundo inteiro. Jamais teria a mesma visão se tivesse decidido apresentar colecções sem experiência nenhuma”, considera.

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Concurso Bloom em Outubro de 2022 Ugo Camera

Desconstruir o vestuário masculino

Mas importa lembrar o que distingue a assinatura de Andreia Reimão e a levou a vencer o Bloom. A jovem acredita que se tem diferenciado por uma nova interpretação do vestuário masculino. “Nos últimos 100 anos, enquanto o vestuário feminino foi evoluindo constantemente, o masculino sempre foi muito mais rígido”, observa. Por isso, a sua expressão criativa “é uma forma de protesto contra as regras”, mas mantendo alguns elementos fundamentais, como o uso do fato clássico.

Ainda assim, o fato clássico de Andreia Reimão é desconstruído em novos materiais, muitas vezes associados ao feminino, como pérolas, rendas ou tules. “Conseguimos a mesma estrutura e beleza de uma peça, mas em materiais que não são tradicionais”, explica.

Na colecção que levou ao Bloom, foi ela a desenhar, modelar e coser todos os coordenados e a maioria do trabalho foi mesmo feito à mão. As rendas utilizadas faziam parte de catálogos de amostras e foram tingidas pela designer. “Acabo por experimentar por tentativa e erro. Pôr as mãos na massa é interessante, porque às vezes só desenhar não é suficiente”, destaca.

É como “experimental” que define o seu trabalho e não como uma marca, "é um projecto”. Como parte do prémio do Bloom, apresenta nesta quarta-feira, às 19h, na 52.ª edição do Portugal Fashion, uma colecção com quatro coordenados, onde volta a recuperar esse mote de subversão entre masculino e feminino. Maybe one day, como se intitula a proposta, tem como ponto de partida o trabalho do fotógrafo norte-americano Clifford Prince King.

Com uma “conotação intimista e queer”, as fotografias levaram-na a explorar o universo da roupa interior, misturando-a com a alfaiataria. Há um coordenado todo cosido à mão, onde recria o padrão clássico dos losangos, mas dando-lhe alguma transparência. Voltam as rendas, que surgem como que em retalhos num blazer. E não falta a interpretação de um pijama ou de umas boxers, transformadas em calções. “Brinquei também com a ideia dos collants”, acrescenta. Como novidade, acrescenta o tecido de gravatas que se transforma em roupa.

Para já, é a esta exploração criativa que Andreia Reimão se quer dedicar, sem pressão para crescer. Afinal, tem 23 anos e uma vida pela frente para ver o que a moda lhe reserva. “Quero tirar proveito destas oportunidades. É a altura certa para aprender e experimentar”, conclui.

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