Ao segundo dia de Portugal Fashion, o estúdio de Ernest W. Baker e a vencedora do Bloom
A tarde de desfiles na Alfândega do Porto ficou marcada pela final do concurso de jovens talentos do certame. Andreia Reimão de 23 anos saiu vencedora.
Na Escola Superior Artística do Porto (ESAP), o mobiliário de sala de aula dá lugar a charriots e os alunos esperam ansiosamente pelo primeiro desfile, no segundo dia do 51.º Portugal Fashion. A manhã é dedicada aos novos talentos, com destaque para Ahcor, a marca de Sílvia Rocha. Durante a tarde, depois de uma visita ao novo estúdio da Ernest W. Baker, foi a Alfândega, casa mãe do evento, a receber a final do concurso Bloom, com Andreia Reimão a sagrar-se vencedora.
“Se calhar pomos primeiro um coordenado mais branco”, sugere Sílvia Rocha, enquanto prepara o alinhamento do desfile nos bastidores. “Mas se calhar este vestido é melhor para fechar o desfile”, muda de ideias. A jovem criadora foi uma das finalistas do Bloom em 2021 e, desde então, apresenta, a cada estação, uma nova colecção da Ahcor, a marca que faz um trocadilho com o seu apelido.
Nos cabides tem a colecção da próxima Primavera/Verão, inspirada no tempo ─ ou melhor, “na falta dele”, diz. “É uma procura de tentar dar resposta a esta urgência que nos foi posta, de termos de estar constante a oferecer coisas novas”, explica a designer de 25 anos ao PÚBLICO. Essa pressa, afecta o processo criativo: “A parte boa de criar parece que desaparece.”
Na proposta Tempos, joga com os contrastes do valor do tempo também nas próprias peças, que oscilam entre as mais simples e comerciais, como as T-shirts e sweaters, e as mais experimentais, em tule e rede, por exemplo. “Quis reflectir o tempo que é preciso dedicar a cada peça, falando da modelagem, há algumas que demoram dois dias a construir. É uma dualidade porque uma coisa tão boa se pode tornar desagradável por falta de tempo”, lamenta.
Nesse sentido, apresentar todas as estações pode ser um desafio complexo, reconhece. Por isso, para combater essa luta contra o tempo, decidiu que todas as colecções, independentemente da estação, estarão à venda logo depois do desfile. “É uma tentativa que faço de internacionalizar a marca”, explica, lembrando que, para já, só vende numa loja em Toronto, no Canadá, além do atelier da marca no Porto e das encomendas online.
Em termos de materiais, Sílvia Rocha aposta em tecidos que são restos de produção ─ à semelhança de muitos jovens designers, não só pela sustentabilidade, mas também por questões de orçamento. A criadora destaca um tecido bege em xadrez que inicialmente era pensado para cortinados e que se tornou umas das estrelas da proposta. Há, ainda, uma ganga branca com um padrão animal quase imperceptível. “Para mim é quase uma metáfora de que não estamos só a trabalhar num sentido. Por exemplo, sou designer de moda, mas ultimamente tenho feito projectos no teatro como figurinista.”
Um dos elementos decorativos transversal em Tempos são as flores em missangas, replicadas no rosto dos modelos na passerelle. “Isto é sobre a dedicação que se dá às peças, as flores simbolizam isso, pelo tempo que demoram a florescer”, explica. A apresentação de Sílvia Rocha, que encerrou a manhã de desfiles na ESAP, depois de Diogo van der Sandt e Kente Gentlemen, terminou com uma bailarina de dança contemporânea que parecia lutar contra o tempo, que nos escapa por entre os dedos.
Embaixadores de Portugal
No número 54 da Praça da Corujeira, na zona oriental do Porto, fica a casa da dupla Ernest W. Baker, que abriu as portas para mostrar a colecção da próxima estacão, bem como o arquivo da marca ─ um sucesso além-fronteiras. Já vestiram Harry Styles, Justin Bieber e a banda sul-coreana BTS, mas é aqui que mantêm os pés assentes e desenvolvem todas as colecções, inspiradas no avô de Reid Baker, um publicitário de Detroit.
A história da marca de Inês Amorim e Reid Baker tem evoluído desde 2017, com um sentimento de nostalgia sobre o vestuário masculino e tendo como símbolo a rosa, que diz muito a ambos, confessam. “É uma flor forte, mas, ao mesmo tempo, frágil”, lembra a criadora. “Desde início que a usamos em estampados, jacquards e croché. É uma coisa romântica, poética que queríamos trazer para a marca”, completa Reid.
As assinaturas da marca são reforçadas na próxima estação quente com algumas novidades. Por exemplo, é a primeira vez que utilizam amarelo. Isto porque, explica Inês Amorim, quiseram olhar “o vestuário clássico pelos olhos de uma criança”. “Fizemos um smoking preto, mas com calções. E umas jardineiras”, diz a designer, enquanto guia o PÚBLICO pelo charriot onde estão as peças.
Já a chuva que também tinha estado presente na última campanha da marca, é recuperada por um tecido que mimetiza as gotas de água. As rosas não faltam nos crochés feitos “a dois passos” do atelier, à mão, por artesãs. Esses elementos artesanais são transformados em pregadeiras para a próxima estação, tal como os laços de prenda que tinham dado vida a malas. “Em todas as colecções vamos buscar a nossa assinatura, elementos que nos identificam. É sempre um processo”, resume a criadora.
Desde Fevereiro que estão no novo estúdio, quando se mudaram de Viana do Castelo, onde tinham um pequeno atelier. Produzem, com orgulho, todas as peças em Portugal, não só a roupa, como a joalharia, as gravatas e os sapatos. Foi a qualidade de o que se faz por cá que “fez com que a marca crescesse”, acreditam, e é por esse motivo que se dizem quase embaixadores da moda nacional em países como a Coreia do Sul, Estados Unidos e Canadá.
“Em termos de confecção já éramos conhecidos [fora do país], mas espero que a parte criativa também comece a ter mais reconhecimento”, deseja Inês Amorim. “Estamos a levar as duas coisas lá para fora. Se nós podemos criar este mercado, outras marcas vão beneficiar disso. É um mudar de ideias sobre Portugal”, conclui Reid Baker.
O novo talento
O percurso dos designers de Ernest W. Baker é de tal forma inspirador que ambos fazem parte do júri do concurso Bloom, que tomou conta da Alfândega durante a tarde. A forma como o PF acompanha os jovens criadores já tem uma longa história ─ em 2004 foi lançado o programa Aliança que, em 2010, se transformaria na plataforma Bloom. Todos os anos é feito um concurso para premiar talentos emergentes. Este já serviu para lançar nomes como Diogo Miranda, Hugo Costa ou Susana Bettencourt.
Nesta quinta-feira, os oito finalistas a concurso ─ Atelier Mobleu by Camille Moço, Arthur Kunha, Andreia Reimão, Bolota Studio, Celest. House of Wildflowers, Kaya Magalhães e Zalda ─ apresentaram seis coordenados perante o júri, com uma plateia de familiares e de estudantes de moda, ao rubro. Do desfile saíram a vencedora do Bloom deste ano e uma menção honrosa.
Andreia Reimão sagrou-se vencedora, arrecadando três mil euros para desenvolver duas colecções (1500 euros para cada), a apresentar nas próximas edições da passerelle Bloom do PF. Conquistou ainda a possibilidade de frequentar a pós-graduação em gestão de moda na Católica Porto Business School, bem como beneficia de seis meses de assessoria de imprensa e showroom da agência de comunicação Showpress.
A jovem criadora de 23 anos vai, ainda, realizar um estágio remunerado de nove meses na Zeitreel, detentora de marcas como a Salsa, a Zippy ou a MO, propriedade da Sonae (também dona do PÚBLICO). A oportunidade, considera a designer, é uma forma de conhecer a indústria de perto e apreender estratégias para a marca própria: “Temos se ser realistas, a moda é um negócio.”
Por agora, Andreia Reimão foca-se no lado mais experimental da moda, numa mistura de materiais, sem medo de pôr as mãos na massa. “Fiz quase tudo à mão. Tem muito trabalho de renda, missangas e lantejoulas, sem esquecer as aplicações de tecidos”, resume a criadora. Essa diversidade estende-se ao conceito da proposta que trouxe à passerelle, uma amostra do seu percurso ─ “o que me representa melhor, gosto de experimentar universos que não têm nada a ver”.
A renda, por exemplo, coabita como a desconstrução da alfaiataria, numa colecção de moda masculina, ainda que acredite cada vez menos num conceito de género. “Quero que as pessoas sejam felizes a vestir Reimão. Quero que vivam nas minhas peças. Que seja mais do que uma peça de roupa, mas, sim, uma memória” declara. É isso que traz ânimo nos dias mais difíceis, quando “quer desistir”.
Foi a terceira vez que Andreia Reimão, que estudou na Modatex, participou num concurso das semanas de moda nacionais (duas vezes no Bloom e uma no Sangue Novo). “Finalmente ouço um sim e um sim muito positivo”, celebra, em conversa como o PÚBLICO no rescaldo do desfile. “Mas acho que quando se faz as coisas com amor, quando se tem uma mensagem para dizer, devemos acreditar nela e, eventualmente, os outros vão acreditar”, incentiva.
Com uma menção honrosa, Kaya Magalhães, que brindou o público com uma proposta divertida e colorida, também vence o estágio profissional, sem esquecer o prémio pecuniário de 1500 euros para duas colecções. As duas jovens criadoras vão ser acompanhadas pela Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE), com vista a facilitar o início de uma actividade comercial no sistema de moda.
E por falar em comercial, o serão ficou a cargo da Associação Portuguesa dos Industriais do Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Seus Sucedâneos (APICCAPS) com as marcas nacionais de calçado e marroquinaria ─ Ambitious, EscFelmini, FLy London, J. Reinado, Leather Goods by Belcinto, no Brand e Rufel.
A responsável de comunicação da associação, Cláudia Pinto, lembra que todos estes projectos já têm presença internacional e o facto de estarem ligados a eventos como o PF é “uma mais-valia” para a expansão nacional e internacional.
“É uma montra. É a uma forma de as empresas mostrarem o que fazem e a capacidade que têm”, elogia, argumentando que a indústria merece o seu lugar na passerelle. As sete marcas representadas foram convidadas pela APICCAPS por terem participado em anos anteriores e contribuem com uma percentagem dos custos de fazer um desfile.
O segundo dia da 51.ª edição de PF ficou ainda marcado pelas apresentações de Nopin, Nuno Miguel Ramos e David Tlale. Esta sexta-feira, o destaque vai para a dupla Marques’Almeida, que vai apresentar no Parque do Silo Auto. O resto do dia, os desfiles de nomes como Susana Bettencourt, Pé de Chumbo e Luís Onofre ocupam o emblemático Palácio da Bolsa, num evento que tem por objectivo espalhar a moda pela cidade do Porto.