Agarrar no lápis – brincar hoje, para escrever amanhã
Um quotidiano rico em experiências diversas do ponto de vista motor, sensorial, afetivo e cognitivo é o melhor aliado para um desenvolvimento saudável da motricidade fina.
A escrita é uma competência fundamental no nosso quotidiano, talvez uma das mais relevantes no século XXI. Usamo-la constantemente, do email às redes sociais, para autonarrativa ou escrever a lista de compras.
Sem surpresa, quando uma criança inicia a aprendizagem da escrita (concomitantemente à da leitura), é alvo de grande atenção. Nos últimos anos temos ouvido com mais frequência preocupações como: “Ele ou ela não agarra bem no lápis.” Ou: “Não faz força suficiente quando escreve.” Estas surgem de pais, educadores de infância ou professores que, preocupados, pedem ajuda.
É precisamente aqui que, enquanto técnicos, educadores de infância, professores ou pais, devemos questionar-nos sobre o que mais pode ajudar. Sem surpresa, esta reflexão leva-nos recorrentemente à mesma resposta: devemos capacitar as famílias e os profissionais, de modo a que possam promover desde cedo um bom desenvolvimento motor, inclusive da motricidade fina, nas suas crianças.
Com este intuito, e não querendo tornar simplista algo tão complexo quanto o desenvolvimento da escrita, deixamos um conjunto de linhas gerais, que pretendem contribuir para que cada vez menos crianças sintam estas dificuldades na entrada no 1.º ciclo.
É entre os 12 meses e os dois anos que desperta o interesse pelo lápis: a criança, ora com uma mão, ora com a outra agarra o lápis com a palma da mão, com o polegar para cima e começa a fazer rabiscos cada vez mais vigorosos. Nesta altura, mexe ombro, braço e mão. Através da brincadeira repetida e da imitação, o traço vertical começa a ficar cada vez mais firme. Por esta altura, lembre-se que utilizar a mão toda é fundamental, em atividades como: apertar bolas moles ou sensoriais; utilizar plasticinas; brincadeiras de puxar/empurrar objetos ou cordas; agarrar em objetos com diferentes pesos; utilizar lápis largos e curtos, que promovam a pega palmar; desenhar com a criança, em folhas grandes; utilizar digitintas; e promover o mexer na areia, ou na terra.
Entre os dois e os três anos, a pega começa a mudar e, ainda que palmar, o polegar assume uma posição inferior. É uma fase fundamental, pois é neste momento que muitas crianças começam a experimentar o movimento mais segmentar do cotovelo, antebraço e mão. Também nesta idade a criança começa a conseguir imitar linhas verticais, horizontais e círculos. Lembre-se que o desenvolvimento não é por gavetas, portanto não devemos estar demasiado focados na pega do lápis e o que fazemos deve ser integrado em brincadeiras como: utilize pinças grandes, para fazer transportar pompons; faça jogos de encaixe e puzzles; faça construções livres com blocos ou seguindo modelos; utilize barro, plasticina e pincéis; faça enfiamentos com massas ou missangas largas; promova atividades com pás ou de enfiar paus na terra ou massas na plasticina: vá alternando entre a posição horizontal da folha, mas também a vertical, como num quadro.
Entre os três e os quatro anos, o polegar e os restantes dedos passam a estar em oposição, e verifica-se uma pega, muitas vezes ainda com quatro dedos. Nesta fase, a mão segmenta de forma mais precisa os seus movimentos e a criança já consegue copiar círculos, imitar linhas horizontais e ligar pontos diagonais. Começa a estabelecer-se a capacidade desenhar a figura humana, com cabeça e pelo menos uma outra parte do corpo, como pernas ou braços. Recorde-se que a criança vai conseguir desenhar aquilo que conseguir construir, portanto construa modelos de figuras quotidianas e humanas com objetos, vá dizendo em voz alta as figuras geométricas que a constituem e siga os interesses da criança (ex. determinada personagem dos desenhos animados). Desenhe com a criança e elogie todas as evoluções em termos de forma e precisão; continue a diversificar os materiais de desenho, mas vá alternando entre diferentes tamanhos de folhas.
Entre os quatro e os seis anos estabelece-se, habitualmente, a pega trípode. Nesta, o polegar, o indicador e o médio controlam o lápis de forma precisa, enquanto o anelar e o mindinho servem de suporte. Progressivamente, a criança copia linhas diagonais, quadrados e triângulos, bem como desenha toda a figura humana, com pormenores. Também pinta dentro dos contornos e recorta com tesouras adequadas ao tamanho da mão e à mão preferencial. Muitas vezes, nesta idade começa a surgir o interesse pela escrita de desenhos e números, não tenha pressa. A maioria das crianças vai fazê-lo de forma natural, seja entusiasta e orientador. Lembre-se que é fundamental a criança estar confortável com o desenho das diferentes formas geométricas, portanto, desenhem e pintem bastante antes de chegar à escrita e quando chegarem estabeleça relações, tais como: “Já reparaste que a letra A parece um triângulo?” Ou: “Que grandes montanhas são a letra M de Martim, são pontiagudas e triangulares.” Torne consciente que existem dedos mais fortes e outros que apoiam.
Ao longo do crescimento, o ponto fulcral é considerar sempre que um quotidiano rico em experiências diversas do ponto de vista motor, sensorial, afetivo e cognitivo é o melhor aliado para um desenvolvimento saudável da motricidade fina (e de quase todas as áreas, na verdade). Enquanto pais é importante seguirmos a nossa intuição de forma consciente e tranquila. Enquanto profissionais, é fundamental, refletirmos sobre aquilo que é o desenvolvimento normativo, oferecendo experiências desafiadoras e afetivas.
Se assim o conseguirmos fazer, teremos uma larga maioria de alunos a entrar no 1.º ciclo preparados, do ponto de vista da motricidade fina, para a aquisição da competência de escrita.