Álvaro Magalhães e João Vaz de Carvalho trazem da rua a poesia

Nos 40 anos de vida literária de Álvaro Magalhães, a Canto das Cores reuniu poemas do autor, inéditos e não, juntou-os às ilustrações de João Vaz de Carvalho e cantou-os. Poesia vinda da rua.

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Ilustração para o poema Reencarnação João Vaz de Carvalho
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Capa do livro Na Rua da Poesia, editado pela Canto das Cores João Vaz de Carvalho
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Ilustração para o poema A sombra João Vaz de Carvalho
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Ilustração para o poema Que pressa é essa?

Comecemos pelo fim. É inédito o último poema do livro Na Rua da Poesia e tem por título Outros 40 anos: “Tantas e tantas histórias,/ tantas palavras.// Memórias e lá no meio, escondida, está a minha própria vida.// Como podem ter passado quarenta anos?/ Não sei.// Parece-me que foi hoje de manhã que comecei.// Histórias, poemas, crónicas, teatro, guiões.// Palavras, tantas palavras, verdades e invenções.// E então a minha vida é como um livro:/ ora fechado, ora aberto,/ ora lido, ora por ler,/ e que alguém, em qualquer lado, estivesse a escrever.// Acho que vou repetir tudo,/ até falhanços, enganos.// Adeusinho, e até daqui a outros quarenta anos.

Nesta obra, escreve-se, desenha-se e canta-se sobre nomes, sombras, centopeias, escaravelhos, buracos, reencarnação, amor, palavras mal casadas, livros de cabeceira, pressa e tempo, extraterrestres apaixonados e poetas que não querem ser incomodados. Quase tudo se passa na rua ou quando se a espreita.

Integrado na colecção Biografias, este é o sexto livro que Daniel Completo, editor da Canto das Cores, publica dedicado ao percurso de autores portugueses de literatura para a infância. Seis anos, seis títulos. Luísa Ducla Soares (O Som das Palavras e Quem Dá Asas às Palavras), José Jorge Letria (Uma Vida de Papel), António Mota (Casa de Palavras) e José Fanha (A Poesia ao Pé de mim) já viram os seus textos ilustrados por João Vaz de Carvalho e musicados e interpretados pelo editor, ex-professor de Educação Musical. O QR code na contracapa dos livros permite escutar as canções.

A abrir, Luísa Ducla Soares apresenta aos mais novos, de modo simpático e verdadeiro, o poeta : “É um escritor francamente original! Como consegue ser assim? Querem saber? Álvaro Magalhães revelou-me o seu grande segredo através de um texto que li algures. Ele tem, como todos nós, duas orelhas. Uma, a direita, que apenas ouve as coisas úteis e exactas, a prosa da vida quotidiana. Mas a sua orelha esquerda é uma orelha verde: ‘Ouve a linguagem dos pássaros, das nuvens, das pedras.’ Ficou-lhe do seu tempo de menino e continua a entender os mais novos, que frequentemente os adultos não entendem. Assim, até acordado consegue sonhar! E é por precisar intensamente de sonhar que tem vindo a deixar de se dedicar à literatura para adultos, com que se estreou.”

Identidade sem repetição

Juntar o talento de Álvaro Magalhães ao de João Vaz de Carvalho só podia dar bom resultado. O ilustrador agarra num pormenor do texto e consegue ampliá-lo de tal forma que nos dá outro poema, sem trair o inicial. “Não tem cara a tua sombra./ Será feia ou será bela?/ E é ela a tua sombra ou és a pessoa dela?/ Quem é esse, quem é essa que vai sempre ao teu lado,/ caminha se tu caminhas e pára se ficas parado?// Onde tu vais, ela vai./ O que tu fazes, ela faz./ Não sabe fazer mais nada.// E é rapariga ou rapaz?” (A sombra).

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Ilustração para o poema Ah, o amor! João Vaz de Carvalho

Para o poema Ah, o amor!, desenhou um piano de cauda em forma de coração com o afinador/desafinador de costas para nós. Atente-se num excerto do poema: “Se chegaste ao lugar desconhecido,/ e seja isso onde for,/ estás perdido e não estás perdido: encontrou-te o Amor.// Ah, o Amor. Que confusão!/ É como uma casa arrumada por um desarrumador,/ ou um piano afinado por um desafinador.”

João Vaz de Carvalho é um autodidacta que trabalha em desenho, pintura e cerâmica desde o início dos anos 1980. Começou em Coimbra e continuou em Lisboa. “Trabalhando sobretudo com acrílico, a partir de 1988 começou a colaborar com numerosas publicações de imprensa, conciliando essa actividade com a ilustração de livros para os mais novos. Em 2005, ganhou o primeiro prémio da Ilustrarte — Bienal Internacional de Ilustração para a Infância. Em 2009, o The Golden Pen of Belgrade Award (Sérvia) e, em 2011, uma menção honrosa no Eurofruitcartoonale (Bélgica) e o primeiro prémio no World Press Cartoon (Portugal)”, descreve-se no site da editora.

Ali, acrescenta-se ainda: “Esta herança da linguagem pictórica acabou por transitar naturalmente para a ilustração, tornando inconfundíveis as suas figuras humanas e animais, de grandes olhos vítreos e expressão boquiaberta, portadoras de um cómico inteligente.” E facilmente se consegue reconhecer o seu trabalho, há identidade sem repetição.

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Ilustração para o poema Canção do tempo que passa João Vaz de Carvalho

O livro será apresentado a 9 de Dezembro na Biblioteca de Torres Novas, com a presença do poeta, do ilustrador e do músico, em duas sessões, às 10h30 e às 14h00. No site da editora, “onde escritores, músicos e ilustradores se juntam para despertar o gosto pela leitura”, podem ser agendadas sessões nas escolas.

Acabemos pelo princípio, com o poema Feitos por fazer: “Tudo isso é tão perfeito,/ e tão nosso, por estar aqui./ E tudo isso está feito./ Fez-se por si.// Ter que fazer e não fazer nada/ que bom que é, olarilolé!// Já há tantas coisas feitas/ e ninguém as fez. É ou não é?// Quem fez a chuva, as romãs, rios e bosques também?/ Quem fez o azul do céu e o vermelho das bagas?/ A resposta é: ninguém.”

Álvaro Magalhães saiu à rua e trouxe-nos a poesia de volta. Como sempre.


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