E quando quero ver aquele amor meu, meto-me no IP3 e desespero eu!
“Longe da vista, longe do coração”, o provérbio faz sempre sentido, quando penso nas inúmeras situações em que o Interior é remetido para segundo plano. As obras no IP3, que após a derradeira conclusão, vão permitir aos beirões ter uma via de ligação Viseu-Coimbra, com perfil de auto-estrada, mas que não é uma auto-estrada.
“Nunca mais chegas?”, pergunta Duarte, ansioso. “Tem lá calma, que eu estou no IP3!”, envia em áudio pelo WhatsApp, Carolina, professora, residente no Porto, mas colocada este ano em Viseu e com o coração preso a Coimbra. Enquanto Carolina comia um folhado de salsicha de 2,99€, numa área de serviço, ao mesmo tempo que sorria para o ecrã do telemóvel, percebeu que ao balcão, o tema de conversa era o IP3. Um padre da zona de Santa Comba Dão comentava: “Sabe, isto de não termos uma auto-estrada que nos ligue a Coimbra é propositado. Acha que o Governo tem interesse em que os poucos que ainda aqui estão saiam daqui? Estamos aqui presos.”
Quem anda no IP3 sente que está num jogo ou que é um ratinho de laboratório. Acelera agora, calma, as duas vias vão ser suprimidas a uma, nevoeiro intenso em Penacova, fila de carros, abranda de repente para os 60 km/h, obriga o radar. Reza para não teres nenhum imprevisto, porque não há espaço para dois carros em caso de avaria ou passagem de ambulância. Pé no travão, torce para não aparecer um camião apressado na traseira da viatura, enquanto tentas cumprir os limites de velocidade.
Também não existe escapatória para pesados e, à noite, a iluminação é inexistente. De dia, vês bem a estrada, mas o mato avoluma-se e ao teu carro quase que tocam as hastes das mimosas. Presta atenção à ambulância, em sinal de emergência que não tem por onde passar, repito. Também podes cruzar-te com um cão a tentar atravessar a estrada, não há protecção, vedação ou rede.
Chegaste ao teu destino? Sem nenhum acidente? Sem nenhuma história para contar? Parabéns, chegaste à meta do IP3! Podes relaxar e parar de transpirar. A partir daqui segues pela A1, e num instante estás em Lisboa, ou se preferires no Porto. Se tiveres sorte. Há um histórico de famílias que ficaram destroçadas, que perderam os seus entes queridos no IP3, não porque beberam ou porque conduziram mal, mas porque a estrada não é digna de quem aqui vive, no Interior, e se vê obrigado a arriscar a vida num percurso, onde fazem fila camiões, sufocados pela falta de espaço para circular.
“Longe da vista, longe do coração”, o provérbio faz sempre sentido, quando penso nas inúmeras situações em que o Interior é remetido para segundo plano. As obras no IP3, que após a derradeira conclusão, vão permitir aos beirões ter uma via de ligação Viseu-Coimbra, com perfil de auto-estrada, mas que não é uma auto-estrada. Tem só o perfil em alguns troços que faz lembrar uma auto-estrada, mas não é. Até porque nem se justifica, por tão poucos carros e camiões que ali passam, que duas capitais de distrito, como Viseu e Coimbra estivessem ligadas por uma auto-estrada digna desse nome.
Carolina deixa o IP3, não tarda estará nos braços de Duarte, esquecendo-se do número de vezes em que teve de ligar os quatro piscas, como viu há dias fazer, uma viatura de matrícula estrangeira ao aproximar-se do final do IC6, com a sinalética de via interrompida. Pensou que se trataria de um acidente? De uma queda de uma ponte? Não. É apenas mais um acesso por concluir no Interior.
O complexo de interioridade é uma falácia na qual caem alguns que por aqui vivem, como se o sossego e a calmaria fossem desvantagens ou como se, e como a pandemia veio provar, não pudéssemos estar a colaborar à distância com uma empresa multinacional. A conversa deve ser outra e porque pagamos os mesmos impostos, devemos ter as mesmas condições de saúde, ensino e sobretudo transporte, que têm outras localidades no litoral plantadas. No Interior, a rede de transportes públicos é inexistente em muitas localidades, ficando dependentes do carro para toda e qualquer deslocação.
Vamos continuar a rogar por uma auto-estrada Viseu-Coimbra, porque é intolerável que continuem a atirar-nos areia para os olhos e numa altura em que se discute onde fica mais um aeroporto, talvez fosse bom olhar para o tanto que falta fazer num outro lado do país, à sombra.