A transfiguração do amor (reflexão à beira de uma piscina)

O que fica e que tem o seu conforto é apenas o reflexo de uma educação que permanentemente nos impeliu a encontrar alguém, casar, ter filhos e ser feliz. Mas realmente quem não queria que esta equação fosse assim simples?

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"Tu és meu, tu és minha, como se de propriedade territorial se tratasse" Yalçin Ozgan/Unsplash

O que desejamos aos 20 anos, não é o mesmo que desejamos aos 30 ou aos 40. O pensamento muda connosco. Evolui.

Acredito que o retrato do amor, uma construção histórica e cultural, não cabe mais nos dias de hoje da forma como foi sendo absorvido, ou, reformulo, da forma como tem sido negado, porque as teorias biológicas e evolucionistas argumentam que a intimidade, a atração, o amor são fenómenos instintivos (Weis, 2006), ao mesmo tempo que o amor resulta de um conjunto de enviesamentos cognitivos no sentido de adotar comportamentos que facilitem a reprodução e sirvam os interesses genéticos (Kenrick, 2006).

Não, não estou a questionar o amor ou o sentimento dos outros. Apenas um prisma, uma observação, sentada à beira de uma piscina, de um, de vários casais, que sobrevivem, sim, sobrevivem às férias, depois da agressiva rotina, à dificuldade dos dias (seja ela de ordem financeira, ou de saúde), que sobrevivem aos amorosos, mas chatos filhos que segregam toda e qualquer atenção, e quando aquela mulher ou aquele homem se olha ao espelho, já não se reconhece, ou quando procuram encaixar nas férias um beijo profundo e demorado, ele já não existe, acabando por procurar num breve flirt com outro(a), o sentir-se (ainda) desejado(a).

O que fica e que tem o seu conforto é apenas o reflexo de uma educação que permanentemente nos impeliu a encontrar alguém, casar, ter filhos e ser feliz. Mas realmente quem não queria que esta equação fosse assim simples? Encontra alguém, se não acabas sozinho(a)! Como se o amor tivesse um prazo temporal e nesse caso associado à capacidade reprodutiva da mulher, logo provando o nonsense disto tudo.

Somos ensinados a ceder, ou a tentar ceder, a abdicar de algumas características que possam afetar o Outro. E nessa armadilha de anulação do Eu, muitos caem, convictos de que a cedência trará os frutos que procuram.

Inveja-se o relacionamento do outro, o marido da outra, a mulher zen, perfeita, mas no fundo, o que se inveja não passa, muitas das vezes, do retrato para o Instagram e muitas mulheres e homens, estando casados, vivem na mais completa solidão. Muitos(as), presos neste regime do amor, nem sequer tempo nem liberdade suficiente tiveram para sair do armário, mantendo casamentos e relacionamentos apenas aos olhos da sociedade.

Há mais honestidade hoje, e os artigos multiplicam-se sobre o poliamor, sobre o fim da monogamia, sobre uma nova forma de encarar um relacionamento. O caminho da honestidade sentimental será porventura menos desgastante, menos hipócrita. A existência de múltiplos relacionamentos afetivos é condenada por grande parte da sociedade, tão machista, patriarcal quanto a nossa, não poderia ser de outra forma.

Tu és meu, tu és minha, como se de propriedade territorial se tratasse. E vê-se a mãe despenteada que embala o berço, a direcionar o olhar mais ameaçador à ‘safada’ que, entretanto, passa, sob o olhar faminto do marido que lhe jurou que era para a vida toda e que lhe disse que adorava mulheres simples, sem make up.

Sim, o amor existe, o amor que quisermos que exista e não aquele que nos vendem, ou que nos ensinaram que seria assim. O verdadeiro amor assume vários rostos e várias formas de se manifestar, nem sempre ligadas à tensão sexual, mas sempre com liberdade.

E muitos casais, quando chegam à última etapa da vida, ao verdadeiro final feliz pelo qual lutaram, acabam a discutir a todo o instante, sem nada que os una, sem nada que se possa verdadeiramente chamar de amor. Mas aos olhos de todos chegaram lá. Não ficaram para tios. Mas os outros já não querem saber.

O amor de uma vida é sempre o último, ou os últimos. Mas que seja amor e livre.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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