Quem quer ter sexo com a Carochinha quando esta tem cancro?

Fala-se sobre a família, sobre o impacto na profissão, sobre o medo e o pânico associados, mas fala-se pouco de intimidade.

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"As questões da intimidade assim como, por exemplo, as da estética, deveriam estar mais presentes porque não são questões supérfluas" Adriano Miranda/Arquivo

Maria e Diego (nomes fictícios). Nos solavancos do amor, Diego endireitava-lhe a peruca, sem perguntar se se sentia bem, após os tratamentos. Era disso que Maria precisava. De alguém que olhasse para ela com desejo e sem pena. Diego era apenas um amigo colorido. Tinham ainda só tomado um café e sentido o desejo um pelo outro, sem toques.

Ao segundo date, Maria contou-lhe que esperava os resultados de uns exames, sem importância. Ao terceiro, Maria revelou que tinha cancro e que, não havendo uma relação estável, não se ofendia se ele se fosse embora. Diego escolheu ficar, sem palavras de amor, mas despindo-a sempre três dias após os tratamentos. Ela duvidava e chegava a envergonhar-se. E ele, seguro de si, no movimento.

A seguir à mastectomia, Diego foi esperá-la e doido para voltar a senti-la, puxou-lhe o braço esquerdo para cima, fazendo-a gritar de dor. “Desculpa, queres que pare?”, perguntou. “Não, continua. Eu é que me esqueci de te avisar do braço”, respondeu ela. “Olha, acho que te amo”, descobriram os dois.

Maria recebeu mensagens de antigos pretendentes, demonstrando terem interesse em estar com ela, mesmo no pico da doença, quando se sentia menos atraente. Mas também sentiu afastamento e repúdio e estranheza perante o novo e indesejado visual.

Nas últimas décadas, a incidência de cancro nos jovens adultos tem aumentado de forma significativa e, a nível internacional, a estimativa é que 15% das pessoas com cancro têm entre 20 e 50 anos. É uma doença que impacta o estado físico, psicológico e contexto social da pessoa, a par com o esforço de encontrar estratégias para lidar com o diagnóstico, perante uma vida de pernas para o ar.

No campo das estratégias, algumas servem para que, por segundos, se possa pensar noutra coisa que não na doença e há múltiplos caminhos viáveis. Para quem tem cancro, a continuidade de uma vida sexual ativa parece ser uma miragem, entre o mito e a estigmatização, como se o doente não fosse capaz de continuar a sentir e a desejar, ainda que com oscilações de humor e disposição física e psicológica variável.

Por receio, por vergonha, o doente não aborda este tema e serão poucos os médicos que o fazem. A minha opinião é escrita na primeira pessoa e nas primeiras pessoas que tive o privilégio de conhecer e entrevistar no IPO de Coimbra.

Quando se fala de cancro, fala-se sobre a família, o impacto na profissão, o medo e o pânico associados, mas fala-se pouco de intimidade. Afinal que valor tem o sexo num processo de doença oncológica?

Numa consulta de rotina, enquanto aguardávamos por uma ressonância magnética de vigilância, percebi o sossego da luta ganha nos olhos de outra mulher que partilhando o que sentiu após a mastectomia, desabafou: “Olhei-me ao espelho, e disse: ‘Que valho eu sem mamas?’” Tinha 50 anos.

Ainda no internamento, outra mulher, na casa dos 60 anos, trabalhadora do campo, partilhou que, durante o processo de recuperação, o marido nunca lhe tocou e que lhe chamava “ovelha Dolly”, por causa do crescimento do cabelo. E desabafou com raiva: “Agora que estou a terminar a reconstrução do meu peito, sou eu que não quero que ele me toque e hei-de arranjar um mais novo.”

Quando um homem ou uma mulher é afetado por uma doença que o(a) fragiliza, que lhe altera a fisionomia do rosto e do corpo, quem fica ao seu lado, não apenas acarinhando-a, mas desejando-a? Apenas interessa que sobreviva?

Todos queremos sobreviver, mas as questões da intimidade assim como, por exemplo, as da estética, deveriam estar mais presentes porque não são questões supérfluas. Sabe quem passou por isso. Sabe quem sente a necessidade de se reconhecer ao espelho e tem vontade de continuar a ser em plenitude.

Quem quer casar com a Carochinha, que é bonitinha? Todos querem. Mas e quando ela de repente fica doentinha?

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