Violência sexual contra crianças e jovens: denunciar é um dever de todos

Dada a gravidade da violência sexual, e na senda deste mediatismo que pôs a descoberto alegados crimes sexuais relacionados com uma instituição em quem muitas pessoas acreditam e confiam, como a Igreja católica, importa que a sociedade e as autoridades não se situem apenas no campo remediativo.

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@petercalheiros

Estão a decorrer investigações por uma comissão independente para o Estudo de alegada violência sexual contra crianças e jovens na Igreja Católica. Até ao momento, já foram validadas mais de 400 queixas — um número elevado, mas que infelizmente não será o final.

A violência sexual contra menores é um problema de toda a sociedade e representa uma forma de maltrato grave e hedionda capaz de gerar trauma. De acordo com a psicopatologia do desenvolvimento, este crime pode impactar negativamente no processo de desenvolvimento das vítimas, em concreto, na sua saúde psicológica e física, com potencial para permanecer ao longo da vida.

Esta é uma experiência que atinge a identidade das vítimas, retirando-lhes a sensação de controlo e de poder sobre o seu corpo e a sua vida, para além de conduzir muitas vezes a uma percepção de si desvalorizada.

Os sintomas são muito variados; a criança ou jovem pode apresentar agressividade, dificuldades de sono e de alimentação, masturbação compulsiva, dores, comportamentos sexualizados, fobias relacionadas com estímulos próximos das situações de abuso, medos, irritabilidade, depressão, etc.

Os seus efeitos adversos atentam de forma direta contra os direitos e necessidades fundamentais das crianças e jovens e incluem, entre outros, baixa autoestima, sentimento de impotência (pela incapacidade de pôr fim à violência), desânimo (dada a sua condição de vítima e muitas vezes pelas tentativas de revelação mal sucedidas), comportamentos de risco (adições), culpa (nos mais novos dado ao seu pensamento egocêntrico que faz com que atribuam a si próprias um ato que não é da sua responsabilidade), iniciação sexual numa idade para a qual não está preparada gerando perturbações emocionais, sentimentos ambivalentes em relação ao abusador, quando este é próximo e tentativas de suicídio.

Outros resultados da violência sexual são o surgimento de psicopatologias que podem-se tornar mais evidentes durante o crescimento da criança.

O espaço privilegiado para a ocorrência de violência contra as crianças e jovens é no seio da sua própria família de origem, mas também junto de pessoas aos quais os seus cuidados foram entregues ou que, de alguma forma, têm contacto regular com a vítima.

Tal situação acontece num contexto que deveria ser seguro, porém, pelo contrário, a vítima não se vê protegida e a proximidade entre ela e o ofensor acaba por favorecer a repetição e a continuação da violência, dificultando ou mesmo impedindo a revelação da experiência.

Assim, aliado a esse espaço de vitimação está uma relação de confiança e de afeto que a vítima mantém com a pessoa que a agride, gerando confusão emocional. O segredo é um fator chave para quem agride, que consegue manipular a vítima de modo a silenciar a sua experiência, sobretudo porque minimiza os seus sentimentos e fá-la acreditar que ela é que o provoca e que se contar a verdade apenas vai causar desentendimentos entre as pessoas, sobretudo porque ninguém vai acreditar no que ela diz.

Dada a gravidade da violência sexual, e na senda deste mediatismo que pôs a descoberto alegados crimes sexuais relacionados com uma instituição em quem muitas pessoas acreditam e confiam, como a Igreja católica, importa que a sociedade e as autoridades não se situem apenas no campo remediativo, mas incluam a prevenção com programas de educação sexual nas escolas e a formação junto dos profissionais que de alguma forma contactam com as crianças e suas famílias, como professores, magistrados, médicos, enfermeiros, assistentes sociais, policias, etc., de modo a que entendam o que é a violência sexual, reconheçam os sinais e as formas de atuação dos agressores e saibam identificar e proteger as vítimas.

A proteção da vítima deve ser também foco de máxima atenção, mas os atrasos nas investigações fazem com que as crianças não sejam afastadas do agressor perpetuando e agravando o problema. Este é um aspecto que merece atenção das autoridades.

A população em geral não deve ficar de fora do foco de atuação contra este ato criminoso, sendo fundamental mudar atitudes e crenças sociais que legitimam as agressões sexuais.

Finalmente, é evidente que as vítimas precisam de muito apoio e da implementação de intervenções eficazes e respeitadoras no âmbito da psicologia e da psiquiatria da infância.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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