O segredo das crianças bem comportadas

O segredo das crianças “mais fáceis” e mais cooperantes é o facto de os pais conseguirem “ver” os seus filhos.

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Queremos que o nosso filho seja educado, gentil, que ouça o que lhe dizemos para fazer e que não seja a criança que só faz asneiras na escola ou incomoda as outras crianças no parque. Todos nós, pais, também sabemos o quanto isso pode ser difícil e, acima de tudo, um trabalho diário e por vezes para além da nossa paciência.

As crianças são todas diferentes, passam por momentos do desenvolvimento com necessidades distintas e precisam de nós para crescerem saudáveis. Umas têm um temperamento mais fácil, outras têm características que as tornam únicas, mas aquilo que todas têm em comum é o facto de serem crianças e estarem completamente dependentes de nós, para o bem e para o mal. O segredo das crianças bem comportadas são os pais e a forma como exercem a sua parentalidade ou, como eu prefiro dizer, a forma como criam os momentos de conexão com os seus filhos.

A necessidade de ser visto e reconhecido pelo outro é uma necessidade básica do ser humano que começa quando somos bebés. A capacidade de ver e reconhecer o outro é uma responsabilidade nossa enquanto pais. O segredo das crianças “mais fáceis” e mais cooperantes é o facto de os pais conseguirem “ver” os seus filhos. Não digo isto no sentido lato de todos sabermos que são crianças e não têm as mesmas capacidades que nós, mas no sentido estrito de olhar e pensar o mundo como se tivesse a idade e o tamanho deles. Isto implica conseguir a cada momento, a cada situação, olhar para o nosso filho abandonando a nossa perspectiva de adulto e colocando-nos nos seus sapatos, ou melhor nos seus sapatinhos. Acredite nem sempre é fácil nem nos sai naturalmente, nem mesmo para uma mãe e psicóloga há mais de 30 anos.

Por exemplo, estar no lugar de um bebé de dois anos pode significar ver tudo como novidade — a explorar ou como algo ameaçador —, mas não ficamos por aqui. Significa, para além disso, não ter absolutamente nenhuma noção do tempo, estar a descobrir ainda o que acontece quando as coisas caem ao chão, porque é que as coisas acontecem de certa forma, não ter noção do antes e do depois, nem das consequências. Não perceber metade do que dizem e ter muita dificuldade em fazer-se entender. E no topo, a incapacidade quase total de gerir as emoções gigantescas que, de vez em quando, se apoderam dele.

Resumindo, o segredo de crianças felizes e bem-comportadas são pais que conseguem ver o mundo pelos olhos deles, compreendendo o seu desenvolvimento, as suas limitações e adequando as suas próprias expectativas em relação ao seu comportamento.

Aqui ficam algumas dicas essenciais para que consigamos ver o mundo pelos seus olhos e tornar esta viagem mais fácil.

Seja realista

É importante entender onde o seu filho se encontra em termos de desenvolvimento. Uma criança não bate por ser má, mas por frustração, raiva, tristeza ou mesmo por descontrolo motor. Uma criança de 2 anos não faz uma birra para se vingar de si ou estragar o momento, faz uma birra porque ainda não consegue regular as suas emoções. Tente manter em mente aquilo que é razoável esperar do comportamento do seu filho e vá ao seu encontro, não o contrário.

Seja consistente (pelo menos a maior parte das vezes)

Não estou a falar de rigidez, pense em consistência como uma forma de balizar o dia do seu filho, algo como “normalmente fazemos as coisas desta forma”, por isso as rotinas podem ser importantes como sinais que guiam o comportamento da criança. Quando mudamos uma rotina estamos a desafiar o nosso filho a desenvolver a sua flexibilidade e resiliência o que naturalmente é bom, mas não podemos esperar que ele seja capaz disso nas primeiras vezes, é algo que ele vai aprender e desenvolver com o tempo.

Esteja ao seu lado, mesmo quando a situação é difícil

Os nossos filhos precisam de nos sentir próximos mesmo quando nos dizem “vai embora”, “não gosto de ti”. Isto não significa aceitar todo o tipo de comportamentos, mas significa aceitar que, tal como nós, eles têm partes boas e partes menos boas, mas acima de tudo significa o nosso filho perceber que pode mostrar-nos ambas porque o nosso amor é incondicional. Ele precisa de ter a certeza do nosso amor mesmo quando passam por momentos difíceis ou se comportam de forma que não gostamos.

Passem tempo juntos

As crianças necessitam da nossa atenção e conexão! Reserve um tempo todos os dias para brincar ou passar tempo com o seu filho individualmente. Sei que muitas vezes isto não é fácil, mas veja este momento como a sua reunião mais importante do dia. Poucos minutos por dia farão a diferença! O seu psiquismo vai encarregar-se de ir buscar esta atenção positiva vital e acredite que farão o que for preciso para isso, o que na maior parte das vezes, quer dizer que isto leva ao mau comportamento.

Seja um bom exemplo

Não podemos esperar que uma criança nos trate com respeito, diga “por favor”, seja gentil, se eu não o fizer. Lembre-se de que as crianças são esponjas e absorvem muito mais o que fazemos do que aquilo que dizemos.

Não tem que repetir o passado

Muitos de nós fomos criados de forma menos gentil e respeitosa. Alguns com castigos e palmadas. Mas isto não quer dizer que tenhamos de repetir o que os nossos pais fizeram por não saberem mais nem melhor. Hoje podemos fazer a diferença e criar uma sociedade mais justa e gentil.

Disclaimer

O perigo das crianças “demasiado” bem-comportadas.

Uma criança bem comportada não é o mesmo que uma criança extremamente obediente que faz tudo como lhe mandam, sem nunca reclamar. Como aparentemente não causam problemas, tendemos a assumir que essas crianças estão bem. Nem sempre é assim. Muitas dessas crianças carregam dentro de si o fardo da necessidade excessiva de agradar ao outro, porque sentiram que não havia espaço para serem amadas com defeitos.

Esta repressão de emoções e sentimentos numa criança, mesmo que no momento nos pareça positivo por ser muito bem comportada, esconde uma enorme carga de problemas no futuro.

Se por vezes se sente perdido nesta viagem interminável da parentalidade, não pense que está sozinho. Algumas crianças têm mais “dificuldades temporárias” do que outras, por diferentes motivos. Por vezes elas precisam de ajuda. Às vezes os pais precisam de ajuda. Não tenha medo de pedir ajuda, isso só fará de si um pai/mãe melhor e tornará o seu filho mais feliz.


Psicóloga de bebés e fundadora da ForBabiesBrain by Clementina

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