Saúde oral é muito mais do que ter um sorriso bonito

Em Portugal há cerca de mil casos de cancro oral por ano. O tabaco e o álcool representam 80 a 85% das causas. Uma boa saúde oral, alimentação cuidada e observação regular são essenciais na prevenção e detecção precoce

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Lesly Juarez/Unsplash

Em 2020, um estudo realizado em 101 países, mostrou que existem ainda grandes desigualdades no acesso a programas de prevenção e educação sobre saúde oral. É muito importante entender que a saúde oral é muito mais do que ter um sorriso bonito. Na verdade, interage com todo o nosso corpo, daí que seja tão importante a Medicina Dentária em ambiente hospitalar, articulada com todas as outras especialidades médicas.

Em Portugal, 13% das pessoas são diabéticas. Considerada a doença não transmissível mais frequente em adultos, a periodontite é três vezes mais frequente em diabéticos. Trata-se de uma doença de origem bacteriana que afecta o osso e as gengivas que suportam os dentes, evoluindo de forma silenciosa, sem sintomas, e, em última instância, leva à perda dos dentes.

A periodontite, apesar de ser crónica, é tratável, o que é essencial para um bom controlo metabólico. A doença periodontal não tratada pode dificultar muito o controlo da diabetes. Num doente diabético, é essencial que se garantam três premissas: bons hábitos de saúde oral, controlo metabólico e acompanhamento regular por um profissional de saúde oral.

Na saúde da mulher, em particular, a saúde oral desempenha um papel muito importante. O aumento da produção hormonal na gravidez, leva a uma maior probabilidade de haver inflamação nas gengivas. Por isso, é indispensável que os bons hábitos de higiene oral estejam já enraizados antes da gravidez. Embora seja possível realizar tratamentos de forma segura na gravidez, devemos sempre tentar antecipá-los, principalmente para evitar medicamentos ou anestésicos nesta fase.

Também na menopausa é importante garantir uma saúde oral estável. A forma mais comum de osteoporose é causada por diminuição das hormonas femininas, e pode manifestar-se nesta fase. Pode estar indicada a toma de algum medicamento para a osteoporose. Durante a toma destes medicamentos, são de evitar extracções dentárias, ou outras cirurgias na cavidade oral, razão pela qual estes tratamentos, que visam atingir um bom estado de saúde oral, devem ser realizados previamente.

Também a prevenção de problemas cardíacos passa por uma boa saúde oral.

Em Medicina Dentária damos especial atenção a doentes que tenham dispositivos eléctricos ou próteses no coração, mas também a doentes medicados com anticoagulantes. Sabemos, hoje em dia, que são muito raros os casos em que está indicada a suspensão destes medicamentos para a realização de tratamentos dentários. É muito maior o risco de trombose por suspensão, do que o risco de hemorragia em caso de manutenção da terapêutica. De qualquer forma, na presença de infecções na cavidade oral, muitas vezes silenciosas, a própria escovagem dentária pode ser suficiente para introduzir bactérias na circulação. Se estes microrganismos se alojarem numa prótese colocada no coração, pode desenvolver-se uma endocardite, doença muito difícil de tratar. Além disso, a presença destas bactérias na cavidade oral causa inflamação das gengivas, que aumenta o risco de aterosclerose.

Por fim, importa sabermos que em Portugal há cerca de mil casos de cancro oral por ano. O tabaco e o álcool representam 80 a 85% das causas para este tipo de cancro. Uma boa saúde oral, alimentação cuidada e observação regular são essenciais na prevenção e detecção precoce desta doença. É muito importante que as pessoas se habituem a fazer o auto-exame da cavidade oral. Não lavar os dentes no duche, mas sim em frente ao espelho, para avaliar as bochechas, gengivas, língua e céu da boca. A presença de inchaços ou feridas, que não desaparecem ou não diminuem de tamanho, merece atenção.

Nos doentes em que o cancro é de facto diagnosticado, e quando são necessárias quimio e radioterapia, é preciso minimizar o impacto dos seus efeitos. A inflamação generalizada da mucosa oral — mucosite — é muito frequente, podendo dificultar a mastigação, fala e deglutição. A falta de saliva aumenta muito o risco de desenvolver novas lesões de cárie, sobretudo numa fase em que as extracções dentárias estão contra-indicadas. Por isso, é essencial a adopção de hábitos de higiene oral adequados, a realização de todos os tratamentos necessários antecipadamente, e a manutenção de uma observação periódica por um profissional de saúde oral, para minimizar o desconforto associado aos tratamentos oncológicos.

Estes são apenas alguns exemplos de ligações entre saúde oral e saúde global. A grande vantagem da Medicina Dentária em ambiente hospitalar é poder proporcionar aos doentes este acompanhamento multidisciplinar. Além de ser possível uma abordagem mais completa e eficaz aos problemas, cada especialista sente maior confiança no tratamento a que é chamado e cada doente vê os seus cuidados de saúde abordados de forma integrada e consequentemente com melhores resultados.

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