Para os mais jovens, a ideia de guerra pode ser uma tormenta — a resposta é escutá-los
Explicar a guerra aos mais jovens é essencial para afastar sentimentos de ansiedade e reforçar a segurança. Mas é preciso ter em conta a idade e o grau de desenvolvimento para perceber se se deve dar o primeiro passo nesta conversa ou esperar pela pergunta.
A guerra chegou à Europa quando, apesar de todos os indícios e a escalada de antagonismo entre a Rússia e a Ucrânia, muitos não a viam como um cenário possível. Isto, para quem nasceu e cresceu em paz, pode ser desafiante de compreender, suscitar angústias, medos e ansiedades, o que poderá ser mais evidente na fase da adolescência que, só por si, “já é um tempo de insegurança”, lembra a psicóloga clínica Bárbara Ramos Dias. Por isso, a especialista em adolescentes aconselha a que se abra espaço à conversa, onde o adulto, mais do que dar respostas, poderá vestir o papel de fazer perguntas.
“É vital dar ao adolescente espaço para falar”, algo que constata nas suas consultas constituir uma das queixas mais comuns. “Os adolescentes queixam-se muitas vezes que os pais não os ouvem ou que o fazem sem prestar atenção.” Daí que aconselhe que se faça perguntas: “O que achas disto?”, “o que é que isto te faz sentir?”, “o que é que já ouviste falar?”.
Questões que exigem, porém, que estejamos bem preparados: “Além de responder sempre com a verdade, é importante que se consiga responder ao máximo de perguntas”, continua, indicando que o adulto deverá informar-se o suficiente para que o jovem não tenha necessidade de procurar dados noutros sítios que, por vezes, não são os mais fidedignos. E, caso não se tenha resposta para algo, a especialista defende que não se deve hesitar em admitir a ignorância: “Dizer ‘não sei, mas vou procurar informação para te responder a isso’ serve, por um lado, para garantir ao adolescente que poderá ter ali as respostas que procura e, por outro, perceber que admitir que não se sabe não é problemático, já que o comportamento espelho é muito comum.”
E o tema pode até ser um desbloqueador e aproveitado para abordar uma panóplia de assuntos que, de outra forma, não seriam falados. “Sempre”, frisa, “deixando espaço para que o jovem fale sobre o que pensa de cada coisa”. “Durante uma conversa com um adolescente basta estar atento às expressões faciais para perceber a altura em que se deve perguntar: ‘E tu? O que pensas sobre isto?’, já que, muitas vezes, sem serem desafiados, muitos preferem ficar calados.” Depois, é deixar vingar o ditado popular que “as conversas são como as cerejas”.
A importância da verdade
Um cenário de guerra pode ser ainda importante para que o adolescente entenda que há coisas que fogem ao seu controlo — e que não há mal nisso, explica a psicóloga. “Na fase da adolescência, é natural achar-se que se consegue tudo e este é o tipo de exemplo que pode servir de travão.” Paralelamente, a empatia pode ser desenvolvida, já que o cenário de guerra, apesar de estar longe, está suficientemente perto para que os mais jovens encontrem paralelos. Até porque o conflito armado não está a bater à porta apenas dos adultos (no Twitter, durante o dia de quinta-feira, uma professora da Universidade de Kiev dava conta de os seus estudantes estarem a integrar as forças ucranianas ao mesmo tempo que as aulas tinham sido suspensas).
Se no caso dos adolescentes, Bárbara Ramos Dias não hesita em defender que se puxe o assunto, no que toca aos mais novos, a psicóloga considera que dependerá da idade e do grau de maturidade. No entanto, quando se trata das crianças, a psicóloga não vê vantagem em falar-lhes de um assunto se este não os atormentar. “Até uma determinada idade, é normal viver-se num mundo cor-de-rosa, cheio de unicórnios; não vale a pena aborrecê-los com coisas que não lhes desperta a atenção.”
Porém, se os pais ou outro adulto de referência perceberem que, depois de o início da guerra, a criança está mais pensativa ou tristonha, é essencial tentar descortinar o porquê. E, garante, “os mais ansiosos vão dar um sinal”. Se não for essa a situação, Bárbara Ramos Dias aconselha a que se responda à medida que vão surgindo as perguntas: “Os mais pequeninos quando têm dúvidas vão perguntar – é esperar que eles perguntem”, reforça. Se e quando isso acontecer, diz para se “ser claro, sem dar demasiados pormenores”, transmitindo segurança e esperança, mas “sem nunca mentir, sempre com a verdade”.
Transmitir tranquilidade é também um mantra para os psicólogos Renata Benavente e Tiago Pereira. Porém, na opinião de ambos, “este é um assunto que tem de ser abordado”, sendo a forma dessa abordagem escolhida tendo em conta a idade e o grau de desenvolvimento da criança. “Pode haver a tendência de superprotecção, mas este esforço pode ser nocivo”, sublinha Renata Benavente. “É preferível antecipar uma conversa e tê-la com a maior tranquilidade possível”, reforça a vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP).
Também para o psicólogo Tiago Pereira, membro da direcção da OPP, “não vale a pena, numa sociedade em que as crianças são bombardeadas com informação, fingir que nada está a acontecer”, considerando que a postura de varrer o tema para debaixo do tapete pode criar mais ansiedade. “As crianças estão expostas à informação e esta pode gerar medo e ansiedade”, contextualiza. Com este ponto de partida, caberá a adultos de referência, sejam pais, outros cuidadores ou professores, amenizar estes sentimentos.
No entanto, aconselha Renata Benavente, antes de se concentrar na criança, o adulto deverá fazer “um exercício de introspecção” no sentido de compreender o que está a sentir e se está preparado para ter essa conversa. Se não o estiver, aconselha, dever-se-á informar previamente. Isso não significa que tenha de esconder a preocupação, já que confessando os seus receios estará a validar as emoções da criança. Mas, sublinha Tiago Pereira, a conversa deve ser focada na esperança da resolução e não no medo do problema. “Há muitas pessoas no mundo que querem a paz e esta informação é importante passar aos mais novos.”
Do abstracto para o concreto
O raciocínio abstracto não está desenvolvido em idades muito jovens, daí que possa ser difícil falar de uma guerra longe. Há, porém, mecanismos que ajudam a aproximar a realidade distante que passa por dar exemplos que a criança entenda. Em algumas idades, Tiago Pereira aconselha a apoiar a explicação num mapa. Já Renata Benavente lembra que é possível remeter a criança para a sua realidade, recordá-la de um qualquer conflito que tenha vivido, que até tenha ganhado uma componente física, e reforçar a forma como acabou por conseguir solucioná-lo. Isto, explica, permitirá à criança absorver a ideia de que, apesar de os adultos terem entrado em conflito armado, poderão amanhã resolver as questões pela via diplomática, algo que servirá também para reforçar a esperança. “Nestas conversas, é de extrema importância reforçar a cultura da não-violência e desenvolver a ideia de que há formas alternativas de resolver o conflito — e que estas estão em movimento.”
Tiago Pereira sublinha que esta é uma conversa que deve ser preparada com um objectivo traçado que é transmitir tranquilidade. Depois, caberá ao adulto filtrar a informação que deve partilhar e a que é desnecessária ou que apenas servirá para exacerbar sentimentos de alarmismo. Por isso, desaconselha a que se assista a notícias com as crianças ao lado por estes dias, já que o que é mostrado poder ser “até traumatizante”. Algo que deve ser partilhado com a criança, observa o clínico, é a ideia de que “esta guerra não apareceu do nada” e que, por isso, não há motivos para se recear que algo semelhante ocorra aqui, a qualquer instante.
Depois, numa sociedade em que estão inseridas crianças de origens de ambas as frentes, a vice-presidente da OPP aponta para a necessidade de distinguir Estados de cidadãos, deitando por terra o conceito “dos bons e dos maus”. Uma ideia partilhada por Tiago Pereira, que defende que se deve “evitar os estereótipos” e, ao mesmo tempo, “encorajar a compaixão por ambos os lados”.