Recomendações de saúde para gente sem tempo… e sem “motivação”
É fundamental perceber que quanto mais longe da realidade e da pessoa comum estiverem as recomendações sobre a tríade sono-treino-alimentação, maior vai ser o incentivo para não tentar sequer cumprir nenhuma delas.
A respeito do título do artigo, existem sempre duas máximas que são normalmente utilizadas quando estamos a falar de saúde e da respectiva falta de “tempo” e de “motivação” que são: “Se não tem tempo para a prevenção, prepare-se para arranjar tempo para a cura”; “À falta de motivação, que se encontre disciplina”.
Mas este não pretende ser um artigo “fat/lazy-shaming”, antes pelo contrário. Deve ser visto como uma forma de descomplicar o processo e quebrar barreiras, mesmo para pessoas com falta de tempo e motivação para adoptar comportamentos mais saudáveis.
Muitas vezes quando olhamos para várias recomendações genéricas relativas à tríade sono-treino-alimentação, ficamos com inveja da vida utópica das pessoas que as criam e que conseguem ter dias sem açúcar, sem processados e a comer 5 porções de hortofrutícolas por dia, dormir diariamente as “famosas” 8 horas e dar os igualmente “famosos” 10000 passos por dia e trabalhar e ter uma família no meio disso tudo. É fundamental perceber que quanto mais longe da realidade e da pessoa comum estiverem estas recomendações, maior vai ser o incentivo para não tentar sequer cumprir nenhuma delas.
Começando pelo treino, à semelhança da pergunta “qual a melhor dieta”, a resposta à questão “qual o melhor treino para mim” é exatamente a mesma: “Aquele que eu consigo fazer mais vezes!” (tendo sempre em conta todas as limitações físicas que possa ter e uma correcta avaliação médica prévia).
A adesão a um qualquer tipo de treino, bem como a um plano alimentar é sempre o maior indicador de sucesso, mesmo que esteja longe daquilo que poderia ser considerado o treino “ótimo”. A famosa recomendação dos “10 mil passos por dia”, que pode afastar logo à cabeça algumas pessoas, não pode ser vista de forma totalmente linear. Há estudos que demonstram que com 4000 a 8000 passos diários já se observa uma grande diminuição do risco de mortalidade). Para além disso, o tempo despendido nesses 10 mil passos poderia ser gasto em treinos mais intensos ou que lhe pudessem dar mais prazer.
Muitas pessoas para conseguirem dar 10 mil passos por dia precisariam de fazer várias coisas: ou deixar de trabalhar, ou deixar de cuidar dos afazeres familiares, ou deixar de fazer treino de força no tempo que têm disponível para treinar, e nada disto é razoável e até mesmo saudável.
Existem então algumas questões que podem e devem ser feitas previamente de forma a encontrar a atividade que melhor irá resultar:
- Qual o treino que gosto mais de fazer?
- Qual a minha experiência prévia de treino?
- Tenho condições e motivação para criar um mini-ginásio em casa ou prefiro treinar ao ar livre ou ginásio?
- Tenho amigos que já estão a fazer algum tipo de treino e posso transformar esse treino num convívio (aulas de grupo, CrossFit, padel, corrida…)?
- Qual o ginásio/estúdio que fica mais perto de minha casa ou trabalho para evitar grandes desvios, trânsito e perdas de tempo?
- Qual o meu orçamento disponível para fazer treino personalizado?
- Tenho auto-motivação suficiente para treinar sozinho, ou preciso de um estímulo ou orientação externa (aulas de grupo/personal trainer/treino acompanhado)?
- É logisticamente melhor treinar ao início da manhã, à hora de almoço, ao final do dia ou até ao fim de semana?
É fundamental responder a todas estas questões para que se estabeleça um compromisso viável e duradouro quanto ao treino e não ser mais uma tentativa falhada no meio de tantas outras, onde se faz o investimento inicial no equipamento desportivo e mensalidade do ginásio e depois a frequência fica longe do desejável.
Quanto à frequência, dentro de certos limites, quanto mais vezes conseguir melhor, porque nem todas as semanas são iguais, e as semanas boas onde conseguiu treinar todos os dias podem compensar as más onde não conseguiu treinar de todo. Cinco vezes por semana são melhor do que 4,4 e estas são melhor do que três; e treinar apenas uma vez é melhor do que não treinar de todo. Se estiver sempre à espera de ter tempo para treinar três ou quatro vezes por semana para iniciar esse comportamento, esse momento talvez nunca chegue.
Relativamente ao sono, à sua restrição está associada uma resposta fisiológica que altera negativamente a nossa composição corporal: Aumenta a produção de cortisol (hormona de stress e altamente catabólica) e diminui a testosterona, o que leva a uma deterioração da massa muscular (infelizmente basta uma “directa” para uma diminuição de 18% da síntese proteica muscular).
Para além da composição corporal, também a nossa atividade física espontânea se ressente. O dia seguinte a uma noite mal dormida tende a ter um gasto calórico mais baixo devido a cansaço e fadiga (menos treino e menos atividade física não programada). Uma duração de sono inferior a 7 horas/noite está associada a um índice de Massa Corporal mais elevado e um estado metabólico deteriorado com aumento dos níveis de grelina (mais fome), retenção de sódio e marcadores inflamatórios, bem como uma diminuição da sensibilidade à insulina e leptina com todos os efeitos nefastos para o apetite daí decorrentes.
Tal como na questão do treino, é preciso ter uma grande sensibilidade e empatia na quando se fazem recomendações gerais sobre o sono, uma vez que não podemos estar à espera que alguém que trabalhe por turnos, que esteja numa fase mais stressante que obrigue a trazer trabalho para casa ou que tenha filhos pequenos consiga ter o sono perfeito. Ainda assim, para quem tem uma vida mais “normal”, apontar para as 6h – 7h como duração mínima indispensável de sono será importante.
Para melhorar a qualidade do mesmo, aqui ficam alguns conselhos:
- Manter o quarto o mais escuro possível, com uma boa temperatura (nem demasiado quente nem frio), com a mínima exposição possível à luz da televisão e telemóvel;
- Usar aplicações no smartphone com sons da natureza para promoção do sono e óleo de lavanda na almofada poderão ser úteis como técnicas de relaxamento;
- Evitar cafeína pelo menos 6 horas antes da hora de deitar (a sensibilidade à cafeína é extremamente individual por isso este intervalo em algumas pessoas pode ser até aumentado);
- O treino melhora a qualidade do sono, mas caso seja feito de forma muito intensa e ao final da tarde ou noite, poderá ou não dificultar a indução do mesmo. Ainda assim, será sempre melhor treinar tardiamente do que não treinar de todo. A colocação de hidratos de carbono e alimentos ricos em triptofano (leite, iogurte, aveia e frutos gordos são as opções mais “normais” para comer antes de deitar) na última refeição do dia poderá atenuar o efeito estimulante do treino;
- Suplementos como o magnésio e a melatonina podem ajudar. Consulte o seu médico ou nutricionista de modo a saber a melhor forma de incorporar estes dois suplementos na sua rotina;
- Ter o horário de sono o mais consistente possível (deitar e levantar sempre à mesma hora). A utilização de um smartwatch que monitorize a qualidade e duração do sono, pode ser uma motivação extra para as pessoas mais descuidadas com a sua higiene do sono.
É igualmente comum a referência a evitar os “ecrãs” duas a três horas antes de deitar, o que de ponto de vista fisiológico faz todo o sentido. Também faz sentido perceber que no final de um dia cansativo de trabalho, o pós-jantar é o momento onde grande parte das pessoas aproveita para navegar nas redes sociais e “desligar” um pouco dos assuntos profissionais. Por isso, tentar cumprir com as recomendações anteriores e saber largar o telemóvel quando já não há mais nada para ver e a hora de deitar já está a “queimar” é uma prática inteligente e sem os paternalismos do costume que aproximam as pessoas reais, em vez de as afastar.