Mieloma: o desafio do diagnóstico precoce

Nas últimas décadas, houve um aumento no número de novos casos de mieloma múltiplo, pelo que é importante conhecer a doença e privilegiar a realização de exames e consultas regulares, mesmo em tempo de pandemia.

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"À medida que a esperança de vida é maior, aumenta o risco de desenvolver esta doença" Carolina Heza/Unsplash

Muitas doenças malignas do sangue apresentam sintomas inespecíficos, é o caso do mieloma múltiplo, um cancro por vezes silencioso e pouco conhecido. Nas últimas décadas, houve um aumento no número de novos casos de mieloma múltiplo, pelo que é importante conhecer a doença e privilegiar a realização de exames e consultas regulares, mesmo em tempo de pandemia.

O mieloma múltiplo (MM) é uma doença maligna dos plasmócitos, as células do nosso sistema imunológico que têm como principal função a produção de anticorpos, fundamentais na nossa protecção à invasão por bactérias ou vírus. Os plasmócitos residem na medula óssea e nos gânglios e, por mecanismos desconhecidos, podem sofrer uma alteração maligna e, a partir desse momento, disseminam-se pela medula óssea, onde podem levar à destruição dos ossos (formação de lesões osteolíticas) ou provocar anemia ou disfunção do rim. A designação de MM reside no facto de esta ser, na maioria das vezes, uma doença disseminada à altura do diagnóstico, afectando vários ossos ao mesmo tempo.

Embora se conheçam alguns factores que podem aumentar o risco de desenvolver mieloma múltiplo, como, por exemplo, a exposição a produtos químicos de vária natureza, na maioria dos casos não conseguimos identificar o agente que desencadeou esta doença, que afecta mais os homens do que as mulheres e os idosos mais do que os jovens. À medida que a esperança de vida é maior, aumenta o risco de desenvolver a doença.

O mieloma múltiplo não apresenta nenhum sintoma específico e pode manifestar-se de diversas formas, sendo a mais habitual a presença de dores ósseas (mais frequente a nível da coluna), o cansaço decorrentes da anemia, a presença de disfunção renal ou de infecções de repetição: por exemplo, ter duas ou mais infecções respiratórias num período de alguns meses.

Perante a presença de dores ósseas, anemia, disfunção renal ou infecções de repetição, o médico deverá considerar a hipótese de MM e, em função disso, fazer análises ao sangue para avaliar se existe uma proteína anormal, característica do MM. Adicionalmente, deverá procurar a existência de anemia, aumento dos níveis do cálcio ou disfunção renal. Será também importante avaliar o estado dos ossos através de uma radiografia, TAC ou ressonância magnética. Finalmente, será necessário fazer uma pequena biopsia de medula óssea para confirmar a existência de aumento no número dos plasmócitos, característico do MM.

O mieloma múltiplo tem tratamento? Sim, tem tratamento médico, embora nem todos os casos precisem de tratamento. Nas formas iniciais da doença, em que não existe nenhuma lesão de órgão, nomeadamente lesões ósseas, anemia ou disfunção do rim, não se justifica fazer tratamento, apenas vigilância. Nas formas avançadas, em que existe disfunção de um ou mais órgãos, é fundamental o tratamento médico que deve ser iniciado tão cedo quanto possível, para evitar o agravamento da disfunção de órgãos que, por vezes, pode ser irreversível.

É por isso fundamental que, na presença de sintomas clínicos, nomeadamente dores ósseas persistentes, cansaço ou infecções de repetição, as pessoas procurem os serviços de saúde para que os médicos possam equacionar a possibilidade do diagnóstico de MM e desencadearem uma investigação no sentido de o confirmar ou excluir. A não-procura atempada dos serviços de saúde pode levar a que uma dor óssea persistente, que não respondeu ao tratamento com anti-inflamatórios após dois ou três dias, possa evoluir para uma fractura óssea ou insuficiência renal que irão condicionar de forma significativa a qualidade de vida.

Na maioria das vezes, o mieloma múltiplo é uma doença incurável, no entanto, existem hoje vários medicamentos para o tratamento que permitem controlar a doença ao longo dos anos. Nem todos os MM são iguais, existem factores específicos que variam de doente para doente. Nos doentes mais jovens, com menos de 65 ou 70 anos, está ainda indicada a realização de autotransplante de medula óssea.

Estar atento aos sinais e conhecer os principais factores de risco, bem como manter os seus cuidados periódicos de saúde, são passos importantes para um diagnóstico atempado do mieloma múltiplo e para uma maior possibilidade de controlo da doença.


Onco-hematologista no Hospital CUF Porto e no IPO Porto

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