Covid-19: numa semana, Raquel e 36 voluntários fizeram sete mil máscaras para 140 lares. Não estão sós
Movimento Máscara Solidária faz cerca de 25 mil. O núcleo de Raquel Rodrigues assegurou máscaras para distribuir em lares de 22 freguesias de Lisboa, Porto e Beira Interior.
Tudo começou na Lourinhã, com Carlos Valeriano, formador em design e confecção, que desenhou um modelo de máscara, a pensar na covid-19 — ainda não há certezas sobre se o uso protege efectivamente do contágio. Depois da terra dos dinossauros, a Máscara Solidária chegou à vizinha Torres Vedras pela mão da associação Oceanos sem Plásticos. E foi assim que Raquel Rodrigues, em Lisboa, descobriu o projecto. No espaço de uma semana, reuniu 22 costureiras, de todo o país, e 14 voluntários para fazer a distribuição. As sete mil máscaras já feitas chegarão a 140 instituições. Esta terça-feira, foi a primeira entrega.
“Quando comecei a ver este trabalho através do Tiago Duarte [responsável da Oceanos sem Plásticos] pensei que alguém pudesse fazer o mesmo em Lisboa e decidi patrocinar as primeiras mil máscaras”, conta Raquel Rodrigues ao PÚBLICO.
No sábado passado começou a recolher o material — tecido não tecido (TNT) e elásticos — e esta terça-feira fez a primeira entrega na Casa Nossa Senhora da Vitória, em Lisboa, onde Raquel Rodrigues fez voluntariado durante seis anos. “Em conversa com a directora percebi que estão em ruptura do stock”, conta, revelando o desejo de fazer crescer este movimento até abranger todo o país. O mais importante é “defender os idosos” – população com maior risco de infecção pelo novo coronavírus.
Porém, fazer as máscaras acarreta algum investimento. Segundo o vídeo partilhado no YouTube por Carlos Valeriano é necessário: TNT, elásticos e atilhos ou arame para a máscara se ajustar ao nariz. Em nota partilhada no Facebook, a Câmara Municipal da Lourinhã, que recebeu as primeiras máscaras confeccionadas por Valeriano e mais 90 voluntários, indica que estas “são produzidas com TNT à base de polipropileno, impedindo assim a passagem de partículas ou gotas de fluidos contaminados, tornando-as reutilizáveis se lavadas a 90 graus”.
Segundo a nota, o município “pediu parecer à Direcção-Geral da Saúde, através da delegada de saúde da Lourinhã, que se mostrou favorável à sua utilização”. No entanto, até ao momento, não há dados suficientes para haver uma orientação oficial sobre as máscaras feitas em casa. A Organização Mundial de Saúde só recomenda o uso de máscara aos doentes de covid-19 ou aqueles que estiveram em contacto com algum caso de infecção.
Uma rede a ajudar o próximo
Se há algo “menos mau” nesta pandemia é o ressuscitar da entreajuda, que muitos achavam estar perdida, considera Raquel Rodrigues que, embora esteja em teletrabalho, tem dedicado cerca de quatro horas por dia à Máscara Solidária. “Temos muita vontade de ajudar e de fazer chegar máscaras a toda a gente”, justifica.
Segundo o município da Lourinhã, entre os cerca de 90 voluntários estão alunos de Carlos Valeriano, do curso socioeducativo de costura, promovido pela autarquia. A Oceanos sem Plástico, na sua página de Facebook, fala-se em cem costureiras, sem contar com os voluntários que ajudam na distribuição das máscaras. O núcleo de Raquel é mais pequeno: são 22 costureiras por todo o país e 14 voluntários na distribuição. Ao todo falamos de cerca de 25 mil máscaras, entre as já feitas e as que estão no momento em fase de produção, calcula Raquel Rodrigues.
“Temos ainda o apoio voluntário de uma transportadora, a GLS, que nos está a facilitar a chegada de material ao Porto e à Beira Interior”, informa Raquel Rodrigues. As sete mil máscaras já feitas serão distribuídas por 140 lares e Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), em diversas freguesias e concelhos da região de Lisboa e Vale do Tejo, Porto e Beira Interior.
A voluntária apoiou-se na sua rede pessoal de contactos para pôr de pé esta ideia. Queria chegar a mais sítios então pôs mãos à obra: “Desafiei cada responsável de freguesia ou de concelho a assumir a sua própria freguesia de residência, quer com voluntariado de costura ou com um investimento de 50 euros, e, depois a ligar para as juntas de freguesia para saber quais as IPSS e lares que existiam.”
Na Lourinhã, a autarquia indica estar em condição de entregar “500 máscaras [por dia] às juntas de freguesia, que irão articular a distribuição junto da população”, mas espera aumentar para mil unidades diárias. Em Torres Vedras, a Oceanos sem Plásticos afirma estar a produzir nove mil máscaras semanais, que já estão a chegar um pouco a todo o país. Entretanto, em Sintra, a associação Plano de Evasão também já se juntou à Máscara Solidária.
Quer a associação torriense, quer Raquel Rodrigues apelam não só ao voluntariado, mas também a donativos para continuar a produção. A voluntária explica ao PÚBLICO que o material para fazer as máscaras tem vindo a encarecer: O TNT custar dois euros o metro e a semana passada o preço era de 1,50 euros. O mesmo para os elásticos, que aumentaram cinco cêntimos, chegando aos 0,15 euros. Raquel Rodrigues começou com um investimento de 50 euros, depois mais 150, “sem contar com portagens”, já que o seu fornecedor é da Lourinhã. No total, com a ajuda de amigos, já contabiliza um investimento de cerca de mil euros.
Quem quiser ajudar pode contactar a Oceanos sem Plástico, a Plano de Evasão ou Raquel Rodrigues, que diz que não é preciso ter uma máquina de costura para ajudar, apenas vontade. A ajuda poderá ser monetária ou voluntariado na parte de recolha de materiais ou distribuição das máscaras.