Todos os (nove) vetos de Marcelo

Até agora, o Presidente usou o seu poder de veto nove vezes, mas nunca enviou diplomas para o Tribunal Constitucional.

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Marcelo já vetou nove diplomas Nuno Ferreira Santos

Se a Eutanásia poderia, ou não, ser o décimo veto de Marcelo Rebelo de Sousa nunca o saberemos. A lei há-de voltar ao Parlamento mas, dependendo do tempo que isso demorar a acontecer, as circunstâncias da discussão e a divisão que ela provocará na sociedade e nos partidos poderá já não ser a mesma. Uma oportunidade para rever as nove ocasiões em que o Presidente usou um dos seus maiores poderes: o do veto.

Gestação de substituição (Junho 2016)

Marcelo considerou que não estavam “salvaguardados os direitos da criança a nascer e da mulher gestante” nem era feito o “enquadramento adequado do contrato de gestação” e pediu que fossem tidas em conta pelos deputados as recomendações do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV). O Bloco propôs alterações para clarificar os direitos e deveres de todas as partes envolvidas e o que devia estar no contrato escrito, incluindo disposições sobre situações de malformação do feto ou em que seja necessária uma interrupção voluntária da gravidez. O Presidente promulgou-o, mas as chamadas “barrigas de aluguer” foram agora travadas pelo Tribunal Constitucional na sequência do pedido de fiscalização do CDS.

STCP e Metro do Porto (Julho 2016)

O Presidente devolveu ao Parlamento o diploma que alterava os estatutos da STCP, que gere a rede pública de autocarros no Porto, e revia ainda as bases de concessão da Metro do Porto, de forma a impedir liminarmente a privatização ou a concessão das empresas que não fossem de direito público ou não tivessem capitais exclusivamente públicos. Marcelo considerava que era uma intervenção “excessiva e censurável” do Governo na estrutura da administração pública e, neste caso, local, que deve ter a sua autonomia. O Parlamento introduziu uma regra em que os municípios têm que ser ouvidos antes de uma decisão destas.

Sigilo bancário (Setembro 2016)

O decreto-lei do Governo obrigava os bancos a reportarem à Autoridade Tributária os casos de contas bancárias de residentes em Portugal com saldo superior a 50 mil euros. Marcelo apontou várias objecções citando, por exemplo, o parecer da Protecção de Dados, mas também a da “patente inoportunidade política” por se estar ainda a fazer a “consolidação do sistema bancário” e ser precisa “confiança” dos clientes e dos investidores. O Governo não insistiu mas, há três semanas, depois de o Bloco ter desafiado António Costa para voltar ao assunto, foi Marcelo quem imediatamente abriu a porta ao lembrar numa nota no site da Presidência que vetara o diploma por causa da situação “grave” que a banca então atravessava em 2016. A curto prazo o assunto voltará, portanto, ao Parlamento.

Estatuto dos militares da GNR (Março 2017)

O Presidente considerou que a norma que previa uma “condição especial de promoção” ao posto de brigadeiro-general criava na Guarda Nacional Republicana um regime “muito diverso” dos vigentes nas Forças Armadas, podendo "criar problemas graves no seio das duas instituições”. Marcelo tomava assim a mesma decisão que o seu antecessor, em 2007, quando António Costa, então ministro da Administração Interna, fizera a mesma proposta. Desta vez, o primeiro-ministro acatou rapidamente a sugestão.

Carris (Agosto 2017)

Um ano depois, uma cidade diferente: Marcelo usou os mesmos argumentos para vetar a lei que transferia a gestão da Carris para a Câmara de Lisboa que impedia qualquer futura subconcessão a operadores privados. Uma “indesejável intervenção legislativa" do Parlamento, "excessiva e censurável", ao condicionar "de forma drástica a futura opção da própria autarquia local", dizia o Presidente. Desta vez, PCP, BE e PEV não cederam e o Parlamento introduziu no texto alterações que o tornaram muito parecido com o da Metro do Porto que o Presidente chumbara, mas que desta vez deixou passar, embora com reparos. Passou a prever-se a possibilidade de haver alienação de capital ou de concessão da Carris mas apenas a entidades de direito público “ou de capitais exclusivamente públicos”, deixando de fora os privados.

Financiamento partidário (Janeiro 2018)

O alargamento da isenção do IVA a todas as actividades dos partidos, o fim do tecto para as angariações de fundos (que era de 1500 IAS) e a introdução de uma norma que deixava dúvidas sobre se estas alterações às leis de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais não acabariam com os processos em tribunal dos partidos contra a Autoridade Tributária levantaram uma polémica sobre a subsidiação pública dos partidos. Marcelo vetou a lei pedindo mais debate e alterações a estes pontos. O Parlamento acabou por mudar apenas a questão do IVA, mantendo a isenção apenas para as actividades de divulgação da mensagem política. Marcelo promulgou dizendo manter uma “objecção de fundo” mas avisando que não está na Presidência para impor os seus “pontos de vista minoritários”.

Arquitectos e engenheiros (Abril 2018)

Em poucas horas, o Presidente vetou o diploma que passava a permitir a alguns engenheiros civis assinarem projectos de arquitectura, por considerar que o Parlamento transformou em definitivo um regime transitório (que até tinha prazo para terminar que fora sendo alargado) e por fazer regressar aquela actividade “ao regime jurídico anterior ao 25 de Abril”. Tal como fizera na primeira aprovação, o Parlamento dividiu-se, mas voltou a aprovar, com pequenas alterações, o diploma e Marcelo acabou por o promulgar esta semana.

Uber (Abril 2018)

A lei sobre o transporte com base na angariação de clientes através de plataformas electrónicas foi negociada sobretudo entre PSD e PS, mas Marcelo encontrou-lhe vários problemas, considerando que se devem "equilibrar os direitos e as obrigações dos dois tipos de entidades em presença – o TVDE e os táxis". Afirmou que a taxa imposta deve ser maior, que a tarifação deve ser regulada e que se deve aproveitar para, ao mesmo tempo, modernizar o sector do táxi.

Identidade de género (Maio 2018)

Aprovada à tangente com a abstenção do PCP, a lei sobre a autodeterminação da identidade de género chegou a Belém e parou. O Presidente avisa que até é menos exigente que o Conselho Nacional de Ética e para as Ciências da Vida e pede ao Parlamento que pondere a exigência de um relatório médico favorável à decisão da mudança de sexo no registo civil para os casos dos jovens entre os 16 e os 18 anos.

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