Os ventos do Oriente já sopram em Alvalade
O grupo proprietário do Sea Me acaba de abrir uma taberna asiática no bairro de Alvalade. No Soão podemos imaginar-nos em Macau nos anos 1930. Aqui comem-se especialidades de vários países da Ásia e há um grelhador robata onde o chef cozinha à nossa frente peixe, marisco, carne e vegetais.
Um dia depois de o Soão, a nova taberna asiática de Lisboa, ter aberto ao público, a equipa reúne-se para o briefing das 18h30. Revisão rápida das dúvidas que surgiram na véspera, indicações sobre o jantar que se aproxima — quantas reservas há (de momento estão a aceitar reservas para parte da sala, mas a deixar sempre lugares para quem apareça sem reservar), pedidos especiais que possam existir, pequenas alterações na maneira como talheres estão dispostos na mesa.
O chef informa que já chegou a barriga de atum, o barman pede para o pessoal de sala esclarecer com ele todas as dúvidas que tiver sobre os cocktails da casa, feitos com bebidas menos conhecidas, e lembra que o Soão tem “cervejas artesanais asiáticas que não existem em mais lado nenhum em Lisboa”.
Durante o briefing, algumas pessoas espreitam pela porta, tentam ver o interior do restaurante, fazem perguntas. Foram longos os meses de obras e a fachada coberta ao lado do Cinema City Alvalade foi despertando uma curiosidade cada vez maior. Agora, o painel que a tapava foi removido e a montra, com estatuetas, os tradicionais barris para o estágio de saké e outros motivos asiáticos está finalmente à vista.
O Soão é o mais recente restaurante, e uma grande aposta, do grupo Sea Me (que tem também o Prego da Peixaria). Foi pensado e preparado com todos os pormenores e a Fugas acompanhou alguns momentos do desenvolvimento do projecto. O primeiro, há já alguns meses, foi uma das reuniões com Sebastian Filgueiras, da Companhia do Chá, com o objectivo de escolher alguns chás que se adaptassem às diferentes gastronomias servidas no Soão.
“O primeiro desafio”, explicava na altura António Querido, um dos sócios do grupo, “é fazer um pairing com os grandes grupos gastronómicos do Soão, o peixe fresco, a robata, os dim sum, os caris tailandeses. E precisamos de um chá versátil, todo-o-terreno. O segundo desafio é fazermos um pairing de destilados com chás.” Uma das ideias é precisamente harmonizar whiskies com chá, que aqui “ajuda a limpar o palato e a fazer sobressair as diferentes notas do whisky”.
Sebastian, profundo conhecedor do tema, escolheu precisamente um chá com “uma textura aveludada mas mais volumoso na boca, para final da refeição”. A ouvi-lo atentamente estão Vasco Martins, o barman, que veio de Barcelona para este projecto, o chef Luís Cardoso (que trabalhou no célebre Aya) e o tailandês Tep, que veio do Algarve, onde trabalhava com Leonel Pereira.
Sebastian propõe, para acompanhar o sushi e o sashimi, um sencha de grande qualidade, chá verde japonês “com notas marinhas, iodadas, que nos remetem para ostras, marisco, mas também alcachofras, espargos” e vai servindo, enquanto explica as três temperaturas básicas para a confecção de chá: 70º para o verde, 80, 85º para o oolong e 90º para os chás pretos. “A secagem deste chá é feita com vapor, por isso ele conserva mais o aspecto vegetal e as notas marinhas.”
Surgem algumas perguntas: qual o melhor tipo de chávena para servir? E se as pessoas pedirem para pôr açúcar? Sebastian vai respondendo calmamente, enquanto prepara mais dois chás que pensou para os caris, sendo um mais suave, que vai acalmar um pouco as sensações na boca, e outro, um chá chinês branco com especiarias, que vai acentuar os sabores.
Feita a escolha, passamos para a carne, “o mais difícil”. Sebastian pergunta qual o sistema que vão usar para grelhar a carne. António Querido explica que têm um grelhador robata, muito popular no Japão, no qual usam um carvão especial, de cascas de coco, que não faz fumo, mesmo se receber pingos de gordura. “No Japão há um chá que se pode torrar, podíamos aproveitar e fazê-lo no carvão, obtêm-se notas muito interessantes”, sugere Sebastian. Ou outra opção — servir um pu-erh, chá fermentado, dos mais antigos da China, que absorve a gordura.
A sessão de trabalho na Companhia do Chá é apenas um dos exemplos de como o Soão foi cuidadosamente pensado. O projecto nasceu da vontade de trazer para Lisboa várias experiências que se podem viver em diferentes países da Ásia, que os sócios e o chef Luís Cardoso percorreram numa série de viagens preparatórias.
Durante uma visita da Fugas ao local, na altura ainda em obras, Rui Gaspar, outro dos sócios, mostra no telemóvel imagens de um restaurante que inspirou o desenho da sala do piso térreo — o Soão tem dois espaços, o de cima, com um balcão com 14 lugares e, atrás, várias mesas, e em baixo, seguindo o néon vermelho que diz Sake is a drink best served HOT, encontramos a cozinha, o bar e quatro salas mais privadas.
Todo o espaço remete para o imaginário algo decadente de, talvez, Macau nos anos 1930: as madeiras antigas e escuras (um complexo trabalho de carpintaria de Luís Souto), o piso de baixo, misterioso, onde não chega a luz do dia, os panos que separam a entrada das salas privadas, de paredes forradas a veludo ou a seda, e até o ar “vivido” dos autoclismos (comprados novos mas envelhecidos propositadamente). Podemos imaginar um desses locais cheios de fumo onde membros de mafias chinesas ou japonesas jogam e bebem noite dentro e são capazes de enfiar uma navalha na barriga de quem não lhes agradar.
Mas, na realidade, o único fumo é o que sai dos cocktails preparados por Vasco com runs asiáticos, whiskies japoneses, aguardentes chinesas, xaropes caseiros, citrinos como o yuzu, e nomes como osakini ou xiang martini. Da cozinha, ali ao lado, vêm as entradas (chamuça de cabra; rolo Primavera; kimchi; asas de frango crocantes; tostas de choco com maionese), as sopas, os baos, os dim sum, os caris, pratos tailandeses, coreanos, vietnamitas, alguns clássicos, outros partindo dos clássicos com uma interpretação do chef (mas sem fusão, sublinha Luís Cardoso). Todos vêm apresentados na carta em mandarim — que é, por aqui, a “língua oficial”.
Na parte de cima, ao balcão, Luís e Carlos Santos preparam, em frente aos clientes, o sushi e o sashimi (que têm uma carta à parte), mas também o peixe fresco, os mariscos, a carne e os vegetais, que vão para a robata. Expostos no balcão, o cliente pode escolher e pedir para cozinhar o que mais lhe apetecer.
Existe também um menu Expresso do Oriente (85€, seis pratos e seis bebidas) para uma experiência completa e que é servido apenas no andar de baixo. E, já que está por aí, pode aproveitar para experimentar um saké, um soju (destilado coreano feito também a partir do arroz) ou aventurar-se num baijiu (destilado chinês, mais forte, feito geralmente a partir de grãos de sorgo fermentado). São assim as noites do Oriente para os lados de Alvalade.