O barco não vinha cheio de mulheres que iam comprar peixe ao arquipélago dos Bijagós, como eu esperava. A fábrica de gelo está parada. Avariou-se uma peça qualquer. E o dono não a encontrou no mercado interno. Teve de a mandar vir da Alemanha.
Sem a fábrica de gelo a funcionar, os pescadores não podem descarregar peixe na ilha de Bubaque, a única com ligação regular a Bissau: as “bideiras” não têm forma de o transportar para o “mercado central”, também conhecido por “fera da praça”, perto das Nações Unidas.
Não falta peixe na “fera da praça”. Nada parece faltar na “fera da praça”. Vende-se de tudo por lá – desde água potável armazenada em pequenos sacos de plástico até telemóveis. As “bideiras” que costumam abastecer nos Bijagós viraram-se para a margem lodosa do rio Geba, aonde atracam praticantes de pesca artesanal.
Era sexta-feira. Só tinha barco no domingo a uma hora que haveria de ser ditada pela maré. E só me restava imaginar a roda-viva de mulheres com vestes coloridas e baldes e caixas e arcas a abarrotar de barbo, corvina, linguado, perca, peixe-gato, arenque, sável, sei lá.
Confesso que, por uns momentos, me inquietou aquele repouso, o primeiro desde que aterrara na Guiné-Bissau. Tanto trabalho para fazer!
O sol estava a pôr-se já. Sentei-me na esplanada do restaurante virado para o cais. Encostei-me a saborear a belíssima companhia de um sociólogo e de uma tradutora. Com cerveja “made in Portugal”, fresca, e uns amendoins de produção local, acabados de descascar.
Ele, o Raul, é um cabo-verdiano que há muito estuda a realidade guineense e está a fazer tese de doutoramento sobre “gentes do mar”. E ela, a Teresa, é uma chilena que há muito recolhe histórias da tradição oral crioula. Foi ela que, com um guineense e um togolês, se atreveu a sonhar com uma editora, a Ku Si Mon, num país que nem sequer tem uma livraria.
Saí dos Bijagós mais rica. E ainda mais convencida de que não há que stressar com pequenos contratempos. Há que fazer como as “bideiras”. Redefinir estratégias. Um destes dias, hei-de ir à rampa de Bandim. Não se pode fazer um trabalho a sério sobre mulheres na Guiné-Bissau, como se quer na Casa dos Direitos, sem pelo menos uma “bideira” de fibra.