Guiné-Bissau: jeito tem de ter

Parece que as ruas bem alcatroadas se multiplicaram em Bissau, embora na maior parte delas ainda se circule de pescoço esticado, a tentar fugir aos buracos

Foto
Ana Cristina Pereira

A luz falhou duas vezes durante o jantar. O empregado do restaurante correu com uma vela e colocou-a em cima da mesa. Era uma mesa de plástico posta numa rua esburacada de Bissau-velho. Abanava-se toda de cada vez que uma de nós tentava atacar um bocado de frango pequeno, mas rijo.

 

Comemos o frango da terra com a serenidade com que comêramos a canja de ostras. Trocámos duas frases sobre o assunto. Só. Em Bissau, rede pública de electricidade é luxo que se vê na estrada que liga a cidade ao aeroporto e essa demorou mais de 30 anos a ficar concluída. Há geradores. E os geradores, vá a agente entendê-los, às vezes, falham.

 

"Jitu ka ten", dizem os guineenses. "Jitu ka ten" é qualquer coisa como: "Não há remédio". Essa expressão dirá muito sobre o que é a Guiné-Bissau, este país que o mundo se habituou a ver atolado em pobreza, instabilidade política, insegurança de bens e pessoas.

 

 

Qualquer coisa está a mudar. Sinto-o de cada vez que vejo a Fátima Proença surpreender-se. Ela, a responsável pela Associação para a Cooperação Entre os Povos (ACEP), conhece isto tudo muito bem e surpreende-se com pequenos detalhes, como uma rua bem alcatroada.

 

Parece que as ruas bem alcatroadas se multiplicaram em Bissau, embora na maior parte delas ainda se circule de pescoço esticado, a tentar fugir aos buracos que às vezes davam para esconder uma cabra. Na semana passada, avançámos para Sul. E ela ficou deliciada ao ver que, ao invés de maltrapilhos, estavam fardados os guardas que mandaram parar a viatura em que seguíamos.

 

Estivemos em Buba com produtoras de sal tradicional e com produtoras de "bubacalhau" (feito a partir de barracuda da Guiné). Seguimos até Guilege, atrás de uma rapariga que lá está a ensinar a fazer sal solar. E agora andamos pela capital. Tenho conhecido mulheres interessantíssimas – terça feira, dia 25 de Outubro, conversei duas horas com a presidente da Comissão Especializada de Mulher e Criança, orgulhosa da lei contra a mutilação genital feminina aprovada há meses.

 

A fragilidade do Estado estará na base de muitos dos problemas do país. E essa não será alheia à instabilidade política e institucional, que muito relacionam com a herança mal gerida da guerra de libertação nacional, com a corrupção, com a gestão danosa dos bens públicos.

 

Devagar, devagarinho, o Estado parece estar a assumir o seu lugar. Reflexo de uma estabilidade política que, apesar das debilidades, dura há dois anos? "Jitu ten ku ten". "Jeito tem de ter." Isso diz a Fátima. E dirão muitos guineenses.

Sugerir correcção
Comentar