Os obreiros da governabilidade
Governo
António Costa
Apostou em romper a parede de gelo que existia entre o PS e os partidos parlamentares de esquerda. Prometeu-o antes de ser líder do PS e concretizou-o quando foi empossado primeiro-ministro com base em acordos de entendimento bilaterais entre o PS, o BE, o PCP e o PEV. Tem demonstrado uma habilidade política rara na gestão dessa aliança de poder e essa tem sido a chave do seu sucesso.
Cabe-lhe fazer a condução global da relação com os três partidos que se sentam à sua esquerda no Parlamento. Fá-lo discretamente, em conversas com os líderes do BE, do PCP e do PEV que nem sempre têm eco nos jornais. E de tempos a tempos sabe-se que há encontros a dois entre o primeiro-ministro e o líder de cada um dos partidos parceiros, cimeiras bilaterais que servem de cordão sanitário para que a solução de poder não seja contaminada pela concorrência entre o PCP e o BE.
Centrando em si a gestão política do Governo, o primeiro-ministro funciona como o desbloqueador final quando alguma medida está a ser alvo de uma negociação difícil. É Costa quem decide os timings de comunicação das medidas governativas e é ele que gere quem diz o quê, do lado do executivo. Ainda que as negociações de pormenor e as questões técnicas fiquem para outros membros do Governo, não há medida que seja decidida sem o seu ok. S.J.A.
Governo
Pedro Nuno Santos
É o artesão da aliança que garante a governabilidade. Tem sido incansável na gestão quotidiana das relações e das tensões entre o Governo e os parceiros de coligação e também na acalmia das ondas de choque entre o BE e o PCP. Tem, nos últimos dois anos, corrido entre reuniões parlamentares e de Governo, às quais soma ainda as tarefas partidárias como presidente da Federação Distrital de Aveiro do PS. Ou seja, é uma espécie de homem dos sete instrumentos da política portuguesa.
É a ele que cabe, enquanto secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, representar diariamente o Governo no Parlamento. Logo, tem questões para tratar com todos os partidos, além de estar sempre no hemiciclo durante as reuniões plenárias. Mas o seu tempo é consumido sobretudo a acompanhar as conversações entre o Governo e os parceiros de esquerda no dia-a-dia
Um papel que tem desempenhado com discrição e mestria, quer se trate das complexas negociações sobre a concretização e os pormenores das medidas dos Orçamentos do Estado, quer quando em causa estão outras leis. Isto porque quase nada é aprovado pelo Conselho de Ministros sem que antes seja negociado com o BE e o PCP. S.J.A.
Governo
Mário Centeno
É o criativo cujo engenho tem permitido encontrar cabimento para as engenharias financeiras e contabilísticas no Orçamento do Estado a que as negociações da manutenção do poder socialista obrigam.
Com inegáveis dotes políticos, raros até pela discrição com que exerce o seu mandato de ministro das Finanças, uma característica que lhe permite ajustar com habilidade as exigências concretas e quase quotidianas a que está sujeito, Mário Centeno tem conseguido manter as contas do Estado estáveis, baixar o défice, criar condições para o crescimento económico e para que este potencie a descido do desemprego.
Isto tudo com a arte de saber negociar com Bruxelas e defender perante a Comissão Europeia as soluções orçamentais portuguesas, as quais têm cumprido na íntegra os critérios europeus, ao mesmo tempo que arranja cabimento orçamental para satisfazer as exigências dos parceiros de esquerda parlamentar que suportam o Governo em São Bento.
Uma obra que o tornou num caso de sucesso e numa referência em termos de governação das finanças públicas na União Europeia - "o Ronaldo das Finanças", como lhe chamou o seu homólogo alemão Wolfgang Schäuble. Visto como uma espécie de super-ministro, o seu sucesso tem sido tanto que é um dos pré-candidatos à chefia do Eurogrupo. S.J.A.
Bloco de Esquerda
Jorge Costa
É o negociador discreto do BE. Participa em muitas das reuniões com o Governo. Dá a cara no Parlamento, embora seja menos mediático do que deputados como Mariana Mortágua, por exemplo. Está na frente no que toca ao papel do BE na “gerigonça”, mas também nos bastidores – embora diga que não existe secretismo na solução governativa.
Foi escolhido para explicar aos jovens do BE, no acampamento de Verão, como funciona a solução de Governo inédita em Portugal e a primeira ideia que desconstruiu foi a de que tudo se passa no “segredos dos gabinetes”. “Não é assim”, disse, garantindo que as negociações são “feitas a céu aberto”. Jorge Costa acompanha-as desde o início, quando a “geringonça” ainda estava a ser esboçada. É discreto, mas não esconde ambições.
No ano passado admitia ao PÚBLICO: “Queremos ir para o Governo.” Mais: “Não está escrito em lado nenhum que, em Portugal, a esquerda será sempre o PS como uma força hegemónica e que toda vida há-de ser assim. Amanhã um acordo à esquerda pode ser desenhado sobre outras bases e sobre uma relação de forças políticas completamente diferente. Pode ir muito mais longe do ponto de vista da recuperação do país.” Acompanha várias áreas, tem sido o rosto da luta contra as rendas no sector da energia. M.J.L.
Bloco de Esquerda
Pedro Filipe Soares
É o líder parlamentar do BE e, por isso, acompanha de perto as discussões de ideias entre o executivo socialista e o partido coordenado por Catarina Martins. Foi Pedro Filipe Soares quem uma vez disse ao PÚBLICO, a propósito das negociações para o último Orçamento do Estado, que BE e Governo conversam praticamente todos os dias e que essas conversas, mesmo não sendo reuniões formais, também ditam o rumo das políticas.
Matemático de formação, é natural que Pedro Filipe Soares se debruce nas entrevistas que dá à comunicação social, assim como nas reuniões com o Governo, sobre contas e questões orçamentais. Embora a sua participação não se esgote nestes temas, foi, por exemplo, um dos representantes do BE, ao lado do economista Francisco Louçã, no grupo de trabalho que juntou socialistas e bloquistas para avaliar a sustentabilidade da dívida externa.
Sobre a “geringonça”, já disse este ano ao PÚBLICO e à Renascença: “Agora ganhámos a possibilidade de directamente pressionar membros do Governo para determinadas soluções. Temos sucesso? Algumas vezes temos, outras não temos. Compete-nos aprender, também, a gerir estes processos, estas relações de forças. Estamos a aproveitar ao máximo esta experiência. Agora, é extremamente exigente, isso é.” M.J.L.
Bloco de Esquerda
Mariana Mortágua
Ainda não havia “geringonça” e já a deputada Mariana Mortágua era considerada uma “estrela portuguesa” pela Bloomberg, sobretudo pelo seu desempenho na Comissão Parlamentar de Inquérito do BES. Desafiadora e confiante, chegou a acusar nessa altura Zeinal Bava de “amadorismo para quem ganhou tantos prémios”. Uma ousadia que lhe valeu muitas palmadas nas costas de agradecimento, enquanto andava pelas ruas na última campanha para as eleições legislativas, sufrágio em que o Bloco de Esquerda alcançou o melhor resultado de sempre, aquele que lhe permitiu participar nesta solução de Governo.
E Mariana Mortágua, economista, esteve sempre presente em todos esses momentos, da formação da “geringonça” até às negociações do último Orçamento do Estado. A sua especialidade são números, contas, finanças, banca, política fiscal, temas económicos.
Mas dentro do partido há muitos outros bloquistas que são o rosto de outras bandeiras ou que se debruçam sobre outros dossiers. É o caso, por exemplo, da irmã gémea de Mariana Mortágua, a deputada Joana Mortágua, que tem a seu cargo questões relacionadas com a área da Educação, ou José Soeiro que se tem empenhado na luta pelos direitos dos trabalhadores a recibos verdes. M.J.L.
PCP
João Oliveira
O líder da bancada do PCP desde que Bernardino Soares foi para a Câmara de Loures, em 2013, é o pivot parlamentar comunista nas negociações com o Governo e fala ao mesmo nível com o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Por João Oliveira passam todos os avanços e recuos nas negociações; é ele quem chefia as equipas que reúnem com o Governo e na sua secretária acumulam-se pilhas de pastas, papéis e livros.
Mas a relação entre comunistas e o gabinete de Pedro Nuno Santos faz-se numa dupla vertente parlamentar e partidária: a delegação do PCP integra os primeiros. Oliveira é o elo com o PCP parlamentar, e nas reuniões ao longo do ano faz-se acompanhar por elementos do partido que não são deputados, mas também pelos deputados que acompanham cada uma das áreas. Por exemplo, se se discute o tema trabalho é Diana Ferreira a chamada para o encontro; para a Defesa e Administração Interna é Jorge Machado; para o ensino e cultura Ana Mesquita; para a segurança social, Rita Rato; para a economia, transportes e infra-estruturas é Bruno Dias; no ambiente, Ana Virgínia.
PCP
Jorge Cordeiro
Foi um dos elos de ligação entre socialistas e comunistas ainda durante a campanha de 2015, quando altos dirigentes do PS, como Ana Catarina Mendes ou mesmo António Costa, já tinham interiorizado os resultados das sondagens que davam uma vitória relativa à coligação de direita e sondavam o PCP sobre o futuro xadrez parlamentar.
Jorge Cordeiro, funcionário do PCP desde 1974, é um velho conhecido do actual primeiro-ministro: teve responsabilidades na estrutura regional do PCP de Lisboa, esteve na Assembleia Municipal e na Assembleia Metropolitana, coordenou o trabalho autárquico dos comunistas na região de Lisboa. Pertence ao Secretariado e à Comissão Política do Comité Central, os órgãos máximos do partido, e assume as funções de coordenação, supervisão e acompanhamento da relação dos comunistas com o Governo.
A posição política conjunta foi assinada entre os líderes do PCP e do PS e não entre as bancadas parlamentares, daí que o PCP tenha esta necessidade de ter um poder maior no processo. M.L.
PCP
Vasco Cardoso
Licenciado em gestão, Vasco Cardoso é, a par de Jorge Cordeiro, o elemento do PCP com presença permanente assegurada nas reuniões com Pedro Nuno Santos em época de Orçamento do Estado, e que faz a ligação da Soeiro Pereira Gomes com o Governo. Funcionário do PCP, integra a Comissão Política do Comité Central e é o coordenador das áreas económicas na delegação comunista. Passam por ele as pastas relativas, por exemplo, ao investimento público, à política fiscal e finanças.
Com Vasco Cardoso, Jorge Cordeiro e João Oliveira, em tempo de orçamento, seguem também elementos da direcção da bancada parlamentar, nomeadamente os deputados António Filipe e Paula Santos, mas também o deputado Paulo Sá e ainda assessores do grupo como Ricardo Oliveira, Diana Simões e Duarte Alves.
Da sede do partido costumam também deslocar-se ao Parlamento para as negociações dirigentes comunistas como Fernanda Mateus (para a área da Segurança Social), Rui Fernandes (para questões de Justiça e Defesa) ou Jorge Pires (sobre Educação e Saúde).
Ecologistas
Manuela Cunha
Com um trabalho de formiguinhas incansáveis, os dois deputados do Partido Ecologista Os Verdes (PEV), Heloísa Apolónia e José Luís Ferreira são quase sempre acompanhados pela dirigente do partido Manuela Cunha nas negociações com o Governo. É ela, aliás, a responsável por pastas fundamentais como a ferrovia e a floresta, em que o PEV pode reclamar vitórias – a abertura da linha do Leste, no interior alentejano e o travão ao eucalipto na reforma da floresta são medidas emblemáticas.
Os dois deputados dividem entre si áreas como a economia, ambiente, trabalho e segurança social consoante a disponibilidade e recorrem a assessores do grupo parlamentar para outras como as finanças (Afonso Luz) ou a educação (Dulce Arrojado). Heloísa Apolónia, por exemplo, liderou a negociação da lei-quadro da água com o princípio da não privatização, dos descontos nos passes sub-23 (este ano) e 4-18 (para 2018) e do aumento dos vigilantes da natureza.
Não são discussões fáceis, admite a deputada, que diz que o tempo das “negociações a sério” é este, o da especialidade do Orçamento do Estado. E conta que muitas questões são de “resposta gradual” ao longo da legislatura. “O que não se conseguir este ano, voltamos a insistir no próximo.” M.L.