Viver com a atividade física no coração
Com uma população fisicamente ativa – e bastam 20-25 minutos de atividades como a marcha rápida – uma em cada 12 mortes prematuras poderia ser evitada todos os anos. Seria também possível prevenir um em cada 20 novos casos de doença cardiovascular.
As doenças cardiovasculares (DCV) permanecem como a maior causa de mortalidade no mundo inteiro, sendo responsáveis por cerca de 17,3 milhões de mortes por ano. Só no continente europeu verifica-se que as DCV são responsáveis por 45% das mortes por ano, ou seja, quase metade da mortalidade total europeia. Em Portugal, o panorama não é muito diferente. Embora tenham vindo a diminuir, as DCV como o enfarte agudo e o acidente vascular cerebral (AVC), eram ainda, em 2015, a causa de morte mais elevada no país (30%). Para além do impacto na mortalidade prematura, os custos individuais, sociais e económicos associados às DCV são muito elevados e difíceis de estimar na totalidade.
A atividade física e o exercício físico têm um potencial enorme na prevenção e no tratamento das DCV. Um dos maiores estudos jamais realizados neste domínio, publicado recentemente na revista Lancet, mostrou que pessoas entre os 30 e os 70 anos, que realizavam pelo menos 150 minutos de atividade física moderada por semana, ao final de 7 anos, diminuíram em 28% o risco de mortalidade por qualquer causa e em 20% o risco de mortalidade por DCV grave. Os resultados positivos foram independentes do nível de desenvolvimento do país e do tipo de atividade física realizada – quer se tratasse de atividades recreativas, ocupacionais ou deslocações ativas em substituição de transportes motorizados.
Para além da prevenção de novos casos em pessoas sem sinais de doença, é também consensual que a atividade física e o exercício físico estruturado promovem melhorias do estado clínico em pessoas que já têm DCV (os “doentes cardíacos”), contribuindo para a melhoria dos sintomas da doença a funcionalidade física, o bem-estar psicológico, a qualidade de vida e o prolongamento da vida. À semelhança do que se passa em pessoas saudáveis, doentes estáveis que aumentam a prática de atividade física veem diminuído o seu risco de mortalidade prematura, efeito que é especialmente notório nos que são sedentários e passam a realizar alguma atividade física (ver infografia). E também em pessoas que apresentam mais fatores de risco, como os fumadores, ou os indivíduos com diabetes ou com dislipidémia (colesterol e/ou triglicéridos elevados).
Infelizmente, constata-se que os níveis de atividade física tendem a ser baixos em pessoas com DCV, sobretudo quando não participam em programas de reabilitação cardíaca (ver infografia). Por exemplo, quando avaliados os níveis de atividade física de pessoas com insuficiência cardíaca, conclui-se que aproximadamente metade dos doentes têm um estilo de vida demasiado sedentário e que apenas 15% realiza mais do que 10.000 passos por dia. Como esta meta não está ao alcance de todos os doentes, deve estabelecer-se um objetivo inicial menos exigente para os que não conseguem, propondo 6500-8500 passos/dia ou, no limite, evitar dias com menos de 5000 passos, que são considerados dias demasiado sedentários.
A Reabilitação Cardíaca (RC) é uma intervenção baseada na prática de exercício físico estruturado e na mudança de comportamentos — nomeadamente, o aumento da atividade física diária e a melhoria da alimentação — com vista a reduzir e controlar os fatores de risco, revertendo ou atrasando a progressão da DCV. De acordo com a evidência científica, a RC é atualmente considerada como uma intervenção custo-efetiva, isto é o benefício que traz ultrapassa os custos, reduz a mortalidade e as hospitalizações, melhora a qualidade de vida e acelera a normalização das atividades da vida diária e o retorno ao trabalho.
Contudo, Portugal tem uma das mais baixas taxas de doentes incluídos em programas de RC da Europa. Apenas 8% dos doentes com enfarte do miocárdio participam nestes programas, sendo a taxa média de participação europeia superior a 30%. Elevar os níveis de participação dos doentes portugueses em programas de RC para padrões europeus é o principal motivo por que foi recentemente criado pelo Ministério da Saúde, no Dia Mundial do Coração (29 de Setembro), um grupo de trabalho com a missão de propor o modelo organizativo para a RC em Portugal. Tem como finalidade promover a sua disseminação por todo o território nacional, de forma a permitir que, em 2020, pelo menos 30% dos doentes cardíacos portugueses possam ter acesso a este tratamento com benefícios provados.
Por fim, para além da atividade física e do exercício físico estruturado, deve ser considerado que o tempo excessivo despendido em atividades sedentárias, isto é, na posição de sentado, está associado a pior saúde cardiovascular. Em geral, cada hora de tempo sedentário por dia está associada a um aumento de 2% no risco de morte por todas as causas e o risco parece aumentar quando a pessoa está sentada mais do que 7h por dia. Este será o tema de um dos próximos artigos desta rubrica.
Helena Santa-Clara, Professora da Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa
Miguel Mendes, Médico Cardiologista
Pedro Teixeira, Professor da Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa
Os autores seguem o Acordo Ortográfico
A rubrica Atividade Física, que se encontra publicada no P2, caderno de domingo do PÚBLICO, é da responsabilidade do Programa Nacional de Promoção da Atividade Física da Direcção-Geral de Saúde