O desperdício do dinheiro
Todos os anos são colocadas em circulação milhões de moedas de 1 e 2 cêntimos em Portugal, que depois desaparecem do circuito, obrigando à emissão de outros tantos milhões.
O Estado perde dinheiro a fabricar dinheiro. Parece estranho, mas é verdade, pelo menos no que diz respeito às moedas de 1 e de 2 cêntimos. No primeiro caso, o custo é 65% superior ao valor facial (contra 5% no segundo caso). Contas feitas, desde a introdução da moeda única, a produção destas moedas já gerou um prejuízo acumulado de 1,4 mil milhões de euros na zona euro.
Acontece que todos os anos são colocadas em circulação milhões destas moedas em Portugal, que depois desaparecem do circuito, obrigando à emissão de outros tantos milhões.
Os últimos dados, referentes ao ano passado, ilustram bem esta realidade: a Casa da Moeda fabricou, por encomenda do Banco de Portugal/BCE, 40 milhões de novas moedas de um cêntimo, e foram levantados nos bancos quase 50 milhões de moedas desse valor. No mesmo período, os depósitos foram de 0,08 milhões.
Este ano, a quantidade pedida à Casa da Moeda é a mais elevada desde o ano da introdução do euro, chegando aos 220 milhões de unidades, com as moedas de 1 e 2 cêntimos a terem um peso superior a 40% do total.
Embora vistas como insignificantes, as moedas de 1 cêntimo (ou de 2) são fundamentais para o troco dos produtos com preços a 99 cêntimos ou a 9,99 euros, táctica básica mas eficaz para atrair consumidores. E o pagamento a dinheiro ainda é o método mais utilizado nas compras. E é precisamente o facto de serem vistas como insignificantes que obriga à emissão de novos milhões de moedas de pequeno valor todos os anos.
As pessoas não as querem a pesar nos bolsos, talvez se sintam inibidas a usar muitas de só uma vez para ajudar a pagar, por exemplo, um café, e acabam por as deixar de lado (numa caixa, por exemplo), interrompendo o ciclo de circulação e obrigando à emissão de mais moedas que vão ficar paradas.
O fenómeno não é exclusivo de Portugal, e houve países que reagiram, recorrendo à regra do arredondamento: a Finlândia (logo em 2002), Holanda, Bélgica e Irlanda. A Irlanda é o caso mais recente, ao aplicar uma convenção, desde Outubro de 2015, através da qual tenta evitar o uso das moedas de baixo valor. O arredondamento aplica-se à soma das compras (num supermercado o que vale é a conta final, e não por produto), para o múltiplo de cinco cêntimos mais próximo (33,32 cêntimos passariam a 33,30 cêntimos, e 33,38 cêntimos a 33,40 cêntimos). A adopção foi voluntária, e, se o cliente pedir, é obrigatório ter as respectivas moedas disponíveis e entregar o troco certo. Mas, nos primeiros dez meses, segundo o Banco de Portugal, “regressaram ao banco central 126 milhões de moedas” de 1 e de 2 cêntimos.
Dados da Comissão Europeia revelam que as pessoas querem usar este tipo de moedas – embora depois não o façam –, e que temem a subida da inflação – isto é, o aumento dos preços. Ora, uma vez que a questão do arredondamento não está em cima da mesa no nosso país, e que o desperdício é algo que me enerva, proponho o seguinte: mantermos em (re)circulação as moedas de 1 e de 2 cêntimos, mesmo que isso nos pese nos carteiras e possa fazer buracos nos bolsos; e reintroduzirmos as que estão esquecidas por casa, através de um depósito no banco (nenhum estabelecimento comercial pode ser obrigado a aceitar mais de 50 moedas). Assim, ajudamos o país a perder menos dinheiro, recuperamos liquidez que estava perdida pelas divisões da casa, e a hipótese da inflação deixa de se colocar. No meu caso, a caixa que estava cheia de moedas acastanhadas não só parou de crescer como está agora quase vazia.