Colégio Eleitoral: a história de uma última revolta contra Trump que não vai dar em nada
Pelo menos oito eleitores do Partido Democrata e um do Partido Republicano abriram as portas a uma última tentativa para travar a chegada de Donald Trump à Casa Branca. Os obstáculos são muito maiores do que dez Trump Towers, umas em cima das outras.
Os mais jovens já não se lembram, mas houve um tempo em que Donald Trump não era levado a sério como candidato do Partido Republicano à Presidência dos Estados Unidos. Estávamos em Novembro de 2015 (sim, há pouco mais de um ano, ou há um século no calendário das redes sociais), e muitos analistas e destacadas figuras do partido ainda acreditavam que a candidatura do magnata do imobiliário iria implodir a qualquer momento, tal era a controvérsia que cada uma das suas declarações provocava.
Para além dos naturais ataques vindos do outro lado, do Partido Democrata, a nomeação de Trump foi sempre contestada por uma facção do próprio Partido Republicano, que tentou organizar-se num movimento que ficou conhecido como Never Trump.
Mesmo durante a convenção do partido, em finais de Julho, alguns delegados (e o senador Ted Cruz) tentaram tirar o tapete ao candidato mais votado durante as eleições primárias. A ideia era furar a esperada fidelidade e não declarar o voto em Donald Trump na convenção, o que, apesar de não ser irregular (ou de não haver consenso sobre se é ou não irregular), é visto como uma traição ao desejo que os eleitores manifestam quando votam nas primárias.
Se houvesse um número suficiente de delegados dispostos a ir por esse caminho, a convenção passava a ser um gigantesco debate, com negociações nos bastidores para tentar deixar Trump para trás e nomear o segundo mais votado nas primárias (Ted Cruz), ou até um nome que nem sequer tinha concorrido à nomeação, como o presidente da Câmara dos Representantes, Paul Ryan.
Como é fácil constatar pelas nomeações para a próxima Administração que Donald Trump tem feito nos últimos dias, o mínimo que se pode dizer é que essa batalha foi perdida – o próximo Presidente vai mesmo ser ele, depois de ter vencido a guerra contra Hillary Clinton nas eleições de 8 de Novembro.
Ou não?
Apesar de ter vencido as eleições, a verdade é que falta ainda um passo para que Donald Trump chegue à Casa Branca, graças ao complexo sistema eleitoral norte-americano.
Como a eleição do Presidente é indirecta, o candidato que surge como vencedor na noite das eleições gerais tem de esperar ainda por uma outra votação – a do Colégio Eleitoral, composto actualmente por 538 pessoas dos 50 estados mais a capital, a maioria escolhidas ou eleitas pela importância que têm nos seus partidos e, logicamente, pela sua fidelidade a esses partidos.
Tal como acontece nas convenções do Partido Republicano e do Partido Democrata para a escolha do nomeado que vai concorrer às presidenciais, a votação do Colégio Eleitoral também é vista como um passo meramente formal – num e noutro caso, espera-se que os delegados (nas convenções) ou os eleitores (no Colégio Eleitoral) se limitem a validar os resultados obtidos nas eleições.
Por exemplo, como no dia 8 de Novembro Donald Trump venceu no estado do Alasca, que tem três eleitores no Colégio Eleitoral (este número varia entre um mínimo de três e os 55 actualmente atribuídos à Califórnia), espera-se que as três pessoas escolhidas para representar o Partido Republicano do Alasca no Colégio Eleitoral votem nele no próximo dia 19 de Dezembro.
O sonho dos Eleitores Hamilton
Mas já todos sabemos que este ciclo eleitoral nos Estados Unidos está a ser tudo menos normal. E, para acabar o ano sem destoar, oito eleitores do Partido Democrata no Colégio Eleitoral anunciaram que vão tentar travar a vitória de Donald Trump neste seu último passo até à Casa Branca, seguindo uma estratégia criativa – e histórica porque envolve vários eleitores –, mas sem grandes probabilidades de sucesso: ao contrário do que é esperado deles, não vão votar em Hillary Clinton mas sim num nome do Partido Republicano que consideram ser mais capaz para ser Presidente do que Donald Trump.
No papel, o plano é simples: se estes eleitores do Partido Democrata conseguirem convencer pelo menos 37 eleitores do Partido Republicano a fazerem o mesmo – a revoltarem-se e a não votarem em Donald Trump –, o magnata do imobiliário fica abaixo dos 270 votos necessários para ser nomeado Presidente (se todos se portarem bem e votarem de acordo com os resultados em cada estado, Trump vai ter 303 votos e Hillary Clinton apenas 232).
Até agora, conseguiram convencer um – Christopher Suprun, um bombeiro do Texas que escreveu um artigo no jornal The New York Times a dizer que vai contrariar o sentido de voto no seu estado e sugere que no seu boletim estará o nome do governador do Ohio, John Kasich, alinhado com a ala mais tradicional do Partido Republicano. Outro eleitor do Partido Republicano, Art Sisneros, demitiu-se do Colégio Eleitoral para não ter de votar em Trump, mas vai ser substituído por outro que deverá votar no Presidente eleito.
Os oito eleitores do Partido Democrata apresentam-se como os Eleitores Hamilton, numa referência a um dos pais fundadores dos EUA, Alexander Hamilton. Segundo a interpretação que fazem dos escritos de Hamilton, todos os eleitores do Colégio Eleitoral têm liberdade para votar em quem entenderem, para garantirem que "o cargo de Presidente nunca seja entregue a um homem que não tem as qualificações mínimas", como se lê nos Federalist Papers – os documentos em que Alexander Hamilton, James Madison e John Jay defenderam, em 1787, a ratificação da Constituição norte-americana.
Mas a tradição foi no sentido oposto, e há muito que o Colégio Eleitoral se limita a carimbar como Presidente o candidato que vence as eleições – não quem tem mais votos em todo o país (Hillary Clinton recebeu quase mais 2,5 milhões de votos do que Donald Trump) mas sim quem conquista mais eleitores do Colégio Eleitoral no somatório de todos os estados mais a capital (Donald Trump amealhou 306 e Hillary Clinton ficou-se pelos 232).
Um plano histórico
Desde 1796, nunca tantos eleitores do Colégio Eleitoral mudaram o seu voto para um candidato de outro partido na mesma eleição, o que torna o plano dos Eleitores Hamilton histórico – em muitas ocasiões houve mudanças, mas ou foram protagonizadas por apenas um eleitor, ou estiveram relacionadas com a morte de candidatos a Presidente e com candidatos a vice-presidente. Mas o complexo sistema eleitoral norte-americano e a maioria do Partido Republicano no Congresso bastam para refrear os ânimos dos mais descontentes com Donald Trump.
Mesmo que os oito Eleitores Hamilton do Partido Democrata e o eleitor do Partido Republicano Christopher Suprun (o bombeiro que escreveu o artigo no The New York Times) conseguissem convencer mais 36 republicanos a votarem noutro candidato que não Donald Trump, ficando este com apenas 269 votos no Colégio Eleitoral, a nomeação do Presidente passaria para as mãos da Câmara dos Representantes, onde o Partido Republicano está em maioria.
É o que acontece quando nenhum candidato a Presidente amealha pelo menos 270 votos no Colégio Eleitoral – a Câmara dos Representantes escolhe entre os três com mais votos, e Donald Trump continuaria a ser o mais votado, com 269.
Para que um terceiro candidato, como o governador John Kasich, saísse da Câmara dos Representantes como Presidente, seria preciso que a maioria republicana virasse quase por completo as costas a Donald Trump no último momento – algo que não aconteceu durante as primárias e que é ainda mais difícil quando o Presidente eleito já fez várias nomeações para a Administração. Para além disso, uma decisão tão radical do Partido Republicano seria entendida pelos seus próprios eleitores (que deram a vitória a Donald Trump nas urnas duas vezes: nas primárias e nas gerais) como uma traição, e num ano tão conturbado como este poderia ser uma experiência ainda mais perigosa do que a eleição de Donald Trump.
A somar a estas dificuldades, 29 dos 50 estados, mais a capital, têm leis que impõem multas aos eleitores do Colégio Eleitoral que contrariem a linha do seu partido, uma prática validada pelo Supremo Tribunal em 1952. Essas multas não são muito elevadas (entre os 500 dólares e os mil dólares), e em 21 estados não há nenhuma lei que obrigue os eleitores a assinarem um compromisso. Daí a juntar todas estas peças para que o puzzle revele um Presidente que não seja Donald Trump é pouco mais do que wishful thinking da parte dos opositores do magnata do imobiliário.