Trump é o “candidato da lei e da ordem” que vai salvar o país do caos

Nomeado do Partido Republicano atribuiu a Hillary Clinton uma herança de "morte, destruição, terrorismo e fraqueza" no seu discurso de aceitação.

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Depois de três noites consecutivas com casos que sublinharam a falta de organização na campanha de Donald Trump, e nada fizeram para unir as várias facções no interior do Partido Republicano, o candidato subiu ao palco esta quinta-feira para o discurso de aceitação. Sem grande surpresa, conseguiu galvanizar a esmagadora maioria dos delegados e da assistência para o objectivo de derrotar Hillary Clinton nas eleições gerais, em Novembro, apresentando-se como o candidato “da lei e da ordem”, e pintando um quadro de uma América à beira da desgraça.

“Juntos, vamos guiar o nosso partido de volta à Casa Branca, e vamos guiar este país de volta à segurança, à prosperidade e à paz. Seremos um país generoso e caloroso. Mas seremos também um país de lei e ordem”, disse Trump nos primeiros momentos de um discurso que durou 76 minutos – o mais longo de um nomeado desde 1972.

Foi um discurso, em parte, inspirado na campanha de Richard Nixon em 1968, numa época em que as divisões raciais tinham descambado numa série de violentos tumultos. Mas Trump pegou na “lei e ordem” prometidas por Nixon e retirou-lhes o optimismo que o antigo Presidente norte-americano foi capaz de transmitir.

Há 48 anos, Nixon acusou a Administração vigente de ter destruído a união dos Estados Unidos, tal como Trump faz hoje em relação a Barack Obama, mas o antigo Presidente prometeu na convenção de 1968 “estender a mão da amizade a todas as pessoas, ao povo russo, ao povo chinês, a todos os povos do mundo”.

“E trabalharemos com o objectivo de um mundo aberto — céus abertos, cidades abertas, corações abertos, mentes abertas”, declarou Richard Nixon.

Esta quinta-feira, o discurso de Donald Trump não trouxe propostas novas, e muitas das que foram repetidas são vagas  – como a proposta (revista) de impedir a entrada de cidadãos de países “que tenham sido comprometidos pelo terrorismo até que sejam postos em prática mecanismos de selecção”. No final do ano passado, a proposta era a de impedir a entrada de qualquer muçulmano.

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Alexandre Martins

Ao longo destes quatro dias em Cleveland, inúmeros delegados e outros eleitores do Partido Republicano falaram-nos sobre “o que se está a passar em França”, com expressões de horror perante os atentados cometidos no último ano no coração da Europa. A ideia de que em França há cidades inteiras onde a polícia não é autorizada a entrar porque foram tomadas de assalto por islamistas radicais foi repetida até à exaustão – sendo legítimo perguntar se França é também um país “comprometido pelo terrorismo”, de acordo com a definição de Donald Trump.

O principal tema do discurso foi o medo que milhões de americanos sentem, com ou sem justificação — para os seus apoiantes mais fervorosos, os Estados Unidos não estão apenas mal; estão mergulhados num caos e ameaçados por todos os terroristas que vagueiam por esse mundo fora.

“A nossa convenção surge num momento de crise para a nossa nação. Os ataques contra a nossa polícia e o terrorismo nas nossas cidades ameaçam o nosso modo de vida. Um político que não consiga entender este perigo não tem qualificações para liderar o nosso país. Os americanos que estão a ouvir este discurso esta noite viram as recentes imagens de violência nas nossas estradas e o caos nas nossas comunidades. Muitos testemunharam essa violência pessoalmente. Alguns foram eles próprios as vítimas.”

Mas as palavras mais duras foram reservadas para a sua adversária em Novembro, Hillary Clinton, embora Donald Trump tenha feito um gesto como que a mandar calar os delegados quando começaram a gritar uma das frases mais repetidas durante a convenção do Partido Republicano, em Cleveland: “Prendam-na! Prendam-na!”

“Vamos derrotá-la em Novembro”, respondeu Trump, num reparo que pode marcar um certo afastamento de uma retórica mais extremista em relação ao futuro da candidata do Partido Democrata.

Mas quanto ao passado, Donald Trump foi ainda mais duro com Clinton, acusando-a de ter deixado uma herança de “morte, destruição, terrorismo e fraqueza” durante os quatro anos em que foi secretária de Estado na Administração Obama.

“O que temos após quatro anos de Hillary Clinton? O ISIS [o autoproclamado Estado Islâmico] alastra-se na região e em todo o mundo. A Líbia está em ruínas, e o nosso embaixador e a sua equipa foram deixados sem ajuda para morrerem às mãos de assassinos selvagens. O Egipto virou-se para os radicais da Irmandade Muçulmana, obrigando os militares a retomarem o controlo. O Iraque está num caos. O Irão está a caminho de adquirir armas nucleares. A Síria está mergulhada numa guerra civil e numa crise de refugiados que agora ameaça o Ocidente”, descreveu o nomeado do Partido Republicano. E enviou também uma indirecta ao ex-Presidente George W. Bush, que ordenou a guerra no Iraque: “Ao fim de 15 anos de guerras no Médio Oriente, após triliões de dólares gastos e de milhares de vidas perdidas, a situação está pior do que alguma vez esteve.”

Delírio constante

Depois do caso de plágio no discurso da sua mulher, Melania Trump, que ofuscou os dois primeiros dias da convenção, e da resistência do senador Ted Cruz a recomendar o voto em Donald Trump na noite de quarta-feira, o nomeado do Partido Republicano tinha a responsabilidade de galvanizar os delegados — e, mais importante do que isso, os eleitores indecisos que viram o seu discurso na televisão.

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Apesar de muitos delegados do estado do Utah terem mantido a decisão de não aplaudirem nunca as palavras de Trump (o candidato preferido no Utah é Ted Cruz, representante dos valores mais conservadores e religiosos), o pavilhão Quicken Loans manteve-se em delírio constante ao longo do discurso do seu nomeado, principalmente quando os temas foram a segurança interna e Hillary Clinton.

Foi um apelo directo à sua base de apoio, que o seguirá para onde ele for, que se sente ameaçada no seu próprio país e que anseia por um líder que ponha a casa em ordem de forma agressiva e de uma vez por todas. E Trump prometeu não só fazer isso tudo, como afirmou que só ele conseguirá fazê-lo, numa das derivas populistas mais claras desde que anunciou a sua candidatura.

“Tenho uma mensagem para cada uma das pessoas que ameaça a paz nas nossas ruas e a segurança da nossa polícia: quando tomar posse do cargo no próximo ano, vou restaurar a lei e a ordem no nosso país”, afirmou. E disse mais do que isso: “Eu sou o candidato da lei e da ordem.”

Foi o culminar de uma campanha em que prometeu tirar o país da desgraça total em que se encontra, segundo as suas palavras e o sentimento dos seus apoiantes. Por isso, no dia 20 de Janeiro de 2017, “no dia em que tomar posse, os americanos vão finalmente acordar num país onde as leis dos Estados Unidos são aplicadas”.

Num desvio sem precedentes na história moderna dos candidatos do Partido Republicano, não houve referências a temas como o aborto, tão importante para seu próprio candidato a vice-presidente, o governador do Indiana, Mike Pence. Não só isso, como Trump fez uma referência à comunidade gay — e antes dele discursara Peter Thiel, co-fundador do serviço PayPal e homossexual assumido.

Numa referência ao massacre numa discoteca em Orlando, mas numa perspectiva do “terrorismo islâmico”, Trump prometeu pôr fim a esse tipo de ataques. “Como vosso Presidente, farei tudo o que puder para proteger os nossos cidadãos LGBTQ da violência e da opressão de uma ideologia de ódio estrangeira. Acreditem em mim”, disse o nomeado do Partido Republicano para a corrida à Casa Branca. E feze depois um comentário que demonstra bem que este é o seu partido, e não o partido que todos se habituaram a conhecer nas últimas décadas: “Tenho de dizer que, com republicano, é muito bom ouvir-vos aplaudir o que acabei de dizer. Obrigado.”

Porém, como não podia deixar de ser, até a noite de consagração de Donald Trump ficou marcada por um incidente, junto a uma das zonas atribuídas aos jornalistas. Uma activista do grupo Code Pink tentou desfraldar uma badeira (à semelhança do que aconteceu no primeiro dia da convenção, por duas vezes), e foi levada pela segurança enquanto gritava “Construam pontes e não muros” e acusava Donald Trump de ser “racista, islamofóbico, anti-imigrantes e antimulheres”. Tal como aconteceu em muitos dos seus comícios durante as eleições primárias, Trump interrompeu o discurso e elogiou o trabalho da polícia, recebendo mais uma ovação.

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Alexandre Martins

Mas, no final, os balões caíram do tecto do pavilhão Quicken Loans para consagrar os nomeados e marcar o fim de quatro dias de uma convenção tumultuosa. Os delegados fizeram a festa, a dançar, a atirar balões de um lado para o outro, num momento de união que até parecia ter atirado para trás das costas as divisões profundas no Partido Republicano.

Lá fora, já a caminho da saída, um delegado do Texas sozinho e com um sorriso embaraçado segurava um cartaz com uma mensagem que era recebida com olhares de desprezo por muitos outros delegados: “Delegados de Ted Cruz com Trump. Vamos derrotar Hillary.”

 

 

 

 

 

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