A Espanha no limbo da impossibilidade
Foi em silêncio que os deputados arrumaram papéis e partiram para o fim-de-semana. Não houve contentamento. Notava-se preocupação e incerteza. Uma premonição dos tempos que ai vêm.
“Se levanta la sessión”. A ordem da presidente do Congresso dos Deputados de Espanha, Ana Pastor, ao princípio da noite de sexta-feira foi seguida pelo ruído de 350 deputados a levantarem-se e a abandonarem o hemiciclo. Minutos antes, por 180 votos contra e 170 a favor, tinha caído por terra a segunda investidura de Mariano Rajoy como presidente do Governo de Espanha. Rajoy soçobrou à tentativa e a direita espanhola perdeu uma nova oportunidade de transformar o seu Partido Popular (PP) – o mais votado nas eleições de 26 de Junho – num Governo em plenitude de funções. Mas a paleta das oposições não aplaudiu a derrota de Rajoy. Foi em silêncio que os deputados arrumaram papéis e partiram para o fim-de-semana. Não houve contentamento. Notava-se preocupação e incerteza. Uma premonição dos tempos que ai vêm.
Apesar do resultado, um novo chumbo que pode encaminhar a Espanha para a terceira ida às urnas no espaço de um ano, algo ocorreu no hemiciclo e nos bastidores, conhecidos por M30 – em referência a uma das radiais de Madrid, o corredor em forma de círculo que rodeia a sala de sessões. Alberto Rivera, líder dos Cidadãos, que fez um primeiro acordo com os socialistas do PSOE e outro de teor e propostas idênticas com o PP, deixou uma mensagem. Pediu à direita um candidato viável à chefia do Governo, ou seja, a substituição de Mariano Rajoy por outra figura com menos anticorpos entre os deputados. Nesta versão, Rajoy não seria a solução mas o problema. Os “populares” reagiram, de imediato, em discurso de adesões ao líder, e Rivera ficou sem margem de manobra.
Substituir uma liderança que, nas eleições de Junho conseguiu mais 14 deputados que em Dezembro de 2015 e manteve o partido como o mais votado, é impossível. Os hara kiri partidários são normais em caso de derrotas, funcionam como purgas do insucesso. Não vigoram, portanto, em tempo de consolidação de influência. E foi o que as urnas ditaram em 26 de Junho. Cidadãos, partido neófito, propôs uma redenção que o estado-maior do PP encarou como proposta de sublevação. Nada feito, portanto.
A vida política espanhola decorre a uma velocidade estonteante. Dentro de três semanas, a 25 de Setembro, nas regionais do País Basco e da Galiza, o PP vai confirmar o que já se sabe. Pouca implantação em Euskadi, e forte liderança em terras galegas, onde aliás está à frente do executivo. Assim, é mais que provável um reforço das suas posições na terra de Rajoy. Sem cataclismos tudo continuará na mesma e não é displicente estar à frente de um executivo em funções em Espanha.
Do outro lado da moeda do bipartidarismo de então, no campo do PSOE, os cálculos não são tranquilos. A liderança de Pedro Sanchéz , colocada em desconfiança de lume brando por notáveis antigos dirigentes (como Felipe González) e olhada de soslaio pelos barões regionais – que exercem o poder na Andaluzia e na Extremadura, entre outros –, nada pode esperar de redentor dos escrutínios basco e galego. Rajoy defende-se na peculiar estratégia de repetir argumentos e medir em centímetros os seus movimentos, mas governa. Sanchéz arrasa na análise, ataca no discurso mas é vazio na proposta. Não deu resposta ao essencial: com quem, como e porquê pode forjar uma alternativa? É mais fácil que esta debilidade abra as portas à crise interna.
A adversidade do PSOE tem um nome – Podemos – e um protagonista, Pablo Iglésias. Os que catapultaram das ruas o movimento dos jovens indignados e transformaram a luta contra o que classificavam como “casta da política” em deputados de camisa aberta e jeans, não têm um percurso coerente, mas vendem ilusões. Recém-chegados, querem hegemonizar a esquerda, beneficiando da navegação sem bússola ideológica de Pedro Sanchéz. Iglésias e os seus são mestres na simbiose do descontentamento com os sound bites das redes sociais. Discurso simples, que teve momentos de arrivismo – como indicar as pastas dos seus ministros num hipotético Governo liderado pelos socialistas depois das eleições de 20 de Dezembro de 2015 – e um trambolhão em Junho: falhou a ultrapassagem eleitoral ao PSOE.
O discurso desta semana de Podemos tinha os olhos postos em Sanchéz. Mas o jovem, mediático e bem-parecido secretário-geral do PSOE não estava preparado para este abraço de urso. A sua cara era inexpressiva, não houve um gesto, símbolo de aflição e desnorte.
Contas feitas, o PP sabe o que quer. O Cidadãos tenta a quadratura do círculo da responsabilidade dos partidos tradicionais. O PSOE teme as sombras ao longo do dia: a de Podemos, à esquerda, a de Cidadãos ao centro, e a da direita dos “populares”. Pelo que perderá para todos eles. O Podemos, tal como Rajoy, aposta numas terceiras eleições, que espera sejam corrosivas para o bipartidarismo. Afinal, em Espanha foi destruído um modelo de repartição de poder, com alternância entre PSOE e PP e apoios de regionalistas e nacionalistas, e não está construído um novo sistema. Daí, este limbo de impossibilidade.