O génio de Radu Lupu

É um intérprete de génio e a ele sempre se volta —e por isso, nesta avalanche de caixas que têm sido editadas, esta é uma prioridade, porque são mesmo os “complete recordinngs”. Bravissimo!

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Lupu tem uma aura particular com a sua parte de mistério Jérôme de Perlinghi/Corbis

É Radu Lupu “o maior pianista vivo”? Quando há também Pollini, Argerich, Perrahia, Freire, etc., a resposta não pode ser taxativa. Para mais o que define algo tão peremptório como “o maior pianista vivo”? Uma coisa é certa, isso sim: é o pianista favorito de muitos. E, pela minha parte não tenho a menor das hesitações em considerá-lo um intérprete ímpar de Brahms e sobretudo Schubert.

Mais sucede que Lupu tem uma aura particular com a sua parte de mistério. Ele é o anti-Glenn Gould, ou seja, enquanto o canadiano se retirou da cena e se consagrou aos estúdios de gravação, o romeno continua a actuar (e temos tido o privilégio e o imenso prazer de o ouvir regularmente na Gulbenkian) mas há mais de 20 anos que se recusa a gravar ou a deixar que os seus recitais e concertos sejam gravados. Para mais não dá qualquer entrevista.

A Decca reuniu agora numa caixa todos os seus registos.

Há que chamar a atenção que estamos a assistir, diria mesmo, a “ser bombardeados”, por uma política alucinante de reedições, em caixas de dezenas de discos, por parte das grandes editoras; sucedem-se assim os complete recordings on... consoante a etiqueta, DG, Decca

Phillips, Sony, RCA, EMI/Warner —tem que se assinalar isto desde já, embora esta reconfiguração do mercado discográfico seja matéria tão importante que exige uma reflexão específica. Só que neste caso, e só neste, se trata mesmo dos “complete recordings”, não só pelo citado facto de Lupu ter deixado de gravar, como porque a Decca foi mesmo buscar a outras companhias, de outros grupos editoriais, os registos que aí Lupu deixara, os discos com Perahia à Sony, com Barbara Hendricks à EMI, agora Warner.

Diga-se taxativamente: há que ouvir estes 26 cds, e uns tantos, a solo e em duetos, são para reouvir uma e outra vez, muitas.

Para um músico da sua craveira Lupu nunca teve cúmplices de direção orquestral à altura. Por exemplo a zubin Metha falta a flexibilidade para dirigir uma dirigir uma integral dos concertos de Beethoven —existe também aliás um outro registo do Concerto nº 3, com Lawrence Foster, um cúmplice próximo de Lupu, que é mais interessante. Embora não seja de negligenciar, melhor que os outros, André Previn (que surpresa!) nos Concertos de Schumann e Grieg, o único à altura é…Perahia, que, tal como na sua integral, é solista, co-solista no caso, dirigindo também a English Chamber Orchestra em concertos para dois pianos de Mozart. Mas ouve-se o nº21, K. 467, e não se pode deixar de perguntar intrigado: mas como é possível que Lupu não tenha gravado mais Concertos de Mozart?!

O fundamental, e de que maneira, está pois nos duetos e solos.

Comecemos pelos primeiros. As Sonatas para Violino e Piano de Franck e Debussy com Kyung Wha-Chung são francamente o único disco desinspirado dos 26. Depois há os dois de lieder de Schubert com Hendricks. Mesmo que esta até possa ser considerada “a sua melhor gravação” a soprano é, como de costume, insípida e até mesmo desajustada —mas em Die Einsame, Die Forelle, Sehnsucht, And die Mond, etc., que cantabile do piano!

Quanto às colaborações com Szymon Goldberg em Sonatas para Violino e Piano de Mozart e com Perrahia e Barenboim em obras para dois pianos de Mozart e Schubert são absolutamente superlativas, mas com dois destaques obrigatórios, se é que cabe fazer apenas dois: as Sonatas com Goldberg, a colocar nos píncaros da discografia (com as gravações do mesmo violinista com Lili Kraus e as de Arthur Grumiaux e Clara Haskil) e a Fantasia para piano a quatro mãos D 940 de Schubert com Perrahia. São momentos assombrosos.

“E depois” há os solos. Que maravilha atrás de maravilha! Ouça-se no recital Schumann (o último disco que Lupu gravou) uma fantástica Kreisleriana, ouça-se com o máximo de atenção (que depois vem a comoção estarrecida) um dos mais belos discos de piano de Brahms alguma vez registados, com pequenas peças, Rapsódias, Intermezzos e Klavierstücke —e é caso para dizer que só as mais consumadas intuição, inteligência e mestria permitem tornar essas peças (ah, os Intermezzos!!!) em tão transcendentes momentos de música.

E conduz-nos isto ao suprassumo, Schubert claro. É prodigioso como Lupu é tão extraordinário nas microformas dos Impromptus como nas macroformas das grandes últimas Sonatas, em interpretações só comparáveis (isto é, no mesmo patamar exponencial) de Serkin. Radu Lupu é, reitere-se a opinião, o maior schubertiano actual mas não só, é um dos máximos que ficaram registados em discos.

Com tais interpretações de Mozart, Schubert, Schumann e Brahms é evidente que esta caixa é obrigatória mesmo para quem já tenha alguns discos isolados.

Radu Lupu é verdadeiramente um intérprete de génio e a ele sempre se volta —e por isso, nesta avalanche de caixas que têm sido editadas, esta é uma prioridade, porque são mesmo os “complete recordinngs”. Bravissimo!

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