Ouvir Troye Sivan sem preconceito
Acessível e com bom gosto: é o disco de estreia de uma estrela do Youtube.
Se antes um aspirante a estrela de entretenimento ganhava calo em palcos anónimos de terras chuvosas e perdidas no mapa, hoje basta-lhe ligar, no recato do seu lar, a câmara do pc, upar um vídeo para o Youtube e esperar pelos cliques. Essa é a história de Troye Sivan, cujo canal na plataforma de vídeo angariou três milhões e meio de seguidores. Foi lá que, antes de se tornar o Justin Bieber para o Mundo 2.0, antes de ser a Madonna dos gestores de redes sociais, se assumiu gay e criou outros vídeos de êxito. Mas há um limite para o estrelato quando não há matéria prima para partilhar, de modo que Sivan editou dois EPs que rapidamente alcançaram tal êxito que Adele ou Taylor Swift se disseram fãs. Sam Smith também, mas ainda estamos a ponderar o que fazer com esta informação. Sivan tem, de facto, qualidades de estrela: uma espécie de beleza não ofensiva, digerível pela família, uma voz que sendo sensual não leva as gentes a porem em causa a sua sexualidade, um tom ligeiramente magoado mas que não deprime.
A música de Blue Neighbourhood não será do agrado de quem aprecia emoções fortes ou demonstrações excessivas de testosterona – trata-se de pop electrónica subtil, assente em beats eximiamente trabalhados, aos quais se sobrepõem toalhas de sintetizadores e o crooning sorumbático de Sivan. São, na maior parte dos casos, baladas, sendo que ocasionalmente um refrão se atira ao épico, uma espécie de geografia emocional da classe média que cresce em subúrbios e aos domingos à noite sonha com dinheiro e amor enquanto vê o Ídolos na tv (nota-se que não tenho visto muita tv). Esse épico nota-se nas cordas de Talk me down, que elevam o tom macerado da canção à esperança plástica de um sonho improvável. Tudo feito com uma simplicidade desarmante e inteligente: perante o r’n’b esquelético de Cool, Sivan canta “I was just trying to be cool/ I was just trying to be like you”, e deve haver um milhão de miúdos a identificar-se com isto (tremendo beat, já agora, e tremendo arranjo de guitarra). Isto sem mencionar os truques – há sempre um truque a iluminar estas canções: o coro de crianças em Wild ou o estranho e magnífico rapanço em DKLA. E resulta, esta electrónica de bom gosto que ocasionalmente despeja um pouco de azeite e emoção para atiçar o lume? Sim. É certo que não se perdia nada em sair mais vezes do registo ligeiramente-deprimido-quase-birrento (não se perdia mais nada em haver refrões como o de Heaven), mas há sempre uma melodia para brilhar no azul escuro destas cantigas. Ouçam sem preconceito.