Sobre o maior aquífero do Algarve — Querença/Silves — está a ser construída, em “áreas de infiltração máxima” — uma central fotovoltaica. O projecto, que ocupa 96 hectares, localiza-se no sítio do Foral, concelho de Silves. Ao lado, os moradores da urbanização Quinta da Larga Vista, protestam e reclamam da câmara a instalação do abastecimento público de água. A defesa dos valores ambientais, queixa-se a presidente da associação de moradores, Gail Serra, “mete-se na gaveta quando estão em causa grandes interesses económicos”. O promotor é a empresa NDevelopment, SA.
A instalação de 102.399 painéis solares, numa zona do barrocal algarvio, denuncia Gail, “além do impacte visual, vai pôr em causa o funcionamento da rede hidráulica”.
Nesta urbanização, iniciada há cerca de meio século, estão construídas 146 moradias, em lotes que mais parecem quintinhas, com dimensões que vão dos 500 aos 10 mil metros quadrados. A água para abastecer as casas, jardins e piscinas é fornecida por um furo artesiano pertencente à família do antigo proprietário e de outras captações particulares. À luz das normas em vigor, dificilmente o loteamento teria viabilidade por se situar em zona de Reserva Ecológica Nacional (REN). “Mas temos licença de utilização [à época, chamada de habitabilidade], emitida pela câmara.”
A urbanização, construída sem infra-estruturas, o que seria ilegal, acabou por ser legalizada com a revisão do Plano Director Municipal (PDM) de Silves, há cerca de três anos. O aglomerado deixou de estar integrado na REN e passou a ser qualificado como “aglomerado rural”. Porém, os proprietários da cerca de centena e meia de moradias, justificou a câmara, ficaram com a responsabilidade de encontrar “soluções autónomas no que concerne ao fornecimento de água para consumo humano”.
"Como posso abrir um furo se o meu vizinho — que já tem um furo, a menos de 100 metros — não assina para que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) me autorize a fazer, também, um furo artesiano?”, questiona Alexandre Serra, criticando a postura do município. “A câmara não pode fechar os olhos ao impacte provocado pela instalação da central fotovoltaica e ao mesmo tempo não responder a uma necessidade básica das pessoas que cá vivem”, lamenta. O investimento na energia solar, enquadrado pela legislação das medidas de mitigação e combate às alterações climáticas, diz Alexandre Serra, agrónomo de profissão, “vem agravar as condições do solo e a capacidade de infiltração no principal aquífero da região”.
Área de máxima infiltração
A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR-Algarve) emitiu parecer favorável ao Estudo de Avaliação de Incidências Ambientais para instalar a central fotovoltaica. O território, lê-se nos documentos submetidos a apreciação, “encontra-se totalmente inserido em Reserva Ecológica Nacional (REN), na tipologia “áreas de máxima infiltração”, mas não mereceu oposição das outras entidades públicas. Justificação: o regime jurídico da REN permite a instalação de “infra-estruturas de produção de energia a partir de fontes renováveis” e a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) complementou, informando que, na área de implantação do projecto, “não se identificaram linhas de água associadas à rede hidrográfica”.
A energia produzida será entregue na subestação de Tunes, situada a cinco quilómetros de distância. Da lista das condicionantes, refere-se, as novas linhas não poderão “apresentar afastamento inferior ao que a linha eléctrica Ourique-Tunes já apresenta em relação às edificações existentes na proximidade do traçado”.
No que diz respeito ao impacto visual, a CCDR reconhece que o equipamento “irá provocar uma descontinuidade territorial com implicações fortes ao nível da paisagem”. Gail Serra sintetiza: “Vamos ficar rodeados de um mar de painéis de vidro.”
Para tornar a situação mais grave, sublinha, “a empresa [Fonte Pitoresca, que desenvolveu a urbanização] que nos fornece a água de rega só garante o abastecimento até final do ano”. A vice-presidente da Câmara de Silves, Luísa Luís, questionada pelo PÚBLICO, considera que as “exigências dos moradores são legítimas, mas o município, “no curto prazo, não poderá satisfazer essas necessidades, por se tratar de uma obra complexa”. Por outro lado, diz ter havido um “compromisso” com a empresa para que não interrompesse o abastecimento de água.