Baptistério dos finais do século V dedicado ao culto de uma comunidade cristã descoberto em Mértola
O achado arqueológico mereceu a atenção do Instituto Pontifício de Roma que em Abril fará deslocar uma delegação composta de 50 alunos e professores para estudar o legado cristão.
A descoberta ocorreu a cerca de 50 metros do local em que, no início dos anos 80, foi feito um achado semelhante.
O arqueólogo do CAM Virgílio Lopes adiantou ao PÚBLICO que os vestígios desta estrutura religiosa, destinada à realização de cerimónias baptismais num espaço coberto, estão datados de “entre os finais do século V e o início do século VI” da nossa era, classificando-os como uma importante peça do período paleocristão. O investigador assinala que este período histórico está associado às “chamadas invasões” vindas do norte de África.
O “enorme baptistério”, que “ainda mantém visíveis os mármores originais”, vem confirmar a presença de pelo menos “duas comunidades cristãs ” com as suas igrejas e cultos próprios, salienta o investigador, sublinhando que o valor e luxo exposto, revela que por detrás da sua construção “estaria uma comunidade rica, com os seus espaços de enterramento, as suas lápides, o seu baptistério, os seus mausoléus”.
O arqueólogo Cláudio Torres, fundador e director do CAM explicou ao PÚBLICO o contexto da existência dos dois baptistérios, a cerca de 50 metros um do outro, ambos construídos no século VI. As comunidades cristãs das grandes cidades do Mediterrâneo ocidental e do sul da Península Ibérica, referiu, dividiam-se entre os que acreditavam na Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo), ligados a Igreja de Roma e Bizâncio, e os monofisitas [restam hoje os Coptas no Egipto] que a rejeitavam, defendendo um deus uno (Jesus Cristo). Foi esta divisão que, na interpretação de Cláudio Torres, deu origem a dois baptistérios, um católico e outro monofisita.
Na basílica paleocristã de Mértola existem várias sepulturas de crentes que confirmam a existência de uma grande comunidade de opositores à igreja de Roma. Foi através dessas comunidades de monofisitas, que tiveram uma forte implantação no sul da Península Ibérica, nomeadamente em Mértola, “que se expandiu o Islão”, posteriormente à chegada, a partir do século VI, de populações oriundas do norte de África.
O arqueólogo sutenta, contudo, que ao contrário daquilo que “ainda se divulga”, os árabes não conquistaram a Península Ibérica. “A população não foi conquistada, converteu-se ao Islão, cujos princípios religiosos eram defendidos pelos monofisitas.”
“Já sabíamos que tinha existido em Mértola uma comunidade monofisita com base nas lápides funerárias. Com a descoberta de um segundo baptistério fica explicada a existência de duas correntes cristãs entre o século V e VII em Mértola, que se opunham entre si.”
Trata-se de um testemunho cuja importância se destaca “no contexto europeu”, acrescenta Virgílio Lopes, frisando que em Portugal apenas em Idanha-a-Nova estão identificados dois baptistérios, mas “mais modestos”. Só em Barcelona se encontra um monumento comparável aos localizados em Mértola, onde, em termos arqueológicos, subsiste um conjunto extremamente bem conservado.
“Estamos na presença de um conjunto extremamente importante e raro”, conclui o investigador, realçando o interesse do Instituto Pontifício de Roma pelo novo achado arqueológico, na sequência de duas conferências que Cláudio Torres ali proferiu recentemente. Assim, no próximo mês de Abril, uma delegação com cerca de 50 professores e alunos daquela instituição de ensino do Vaticano permanecerão durante uma semana em Mértola, para estudar e interpretar a importância deste testemunho religioso que revela a importância do passado histórico da zona no contexto europeu, no período paleocristão.