Só Alberto João Jardim resiste, isolado, ao ciclo da mudança na Madeira

Sob o signo da mudança política, no partido do poder e nas autarquias, os madeirenses viveram o pior ano das últimas décadas. Mas 2014 não augura nada de melhor

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O Governo suspendeu as transferências de dinheiro para a região Daniel Rocha

Sintoma do mau perder, Jardim ameaçou este ano expulsar do partido Miguel Albuquerque, ex-presidente da câmara do Funchal que, num acto sem precedentes, enfrentou-o pela primeira vez em 36 anos, na disputa pela liderança do PSD, obtendo uma surpreendente votação de 49 contra 51%. E, relativamente aos munícípios que perdeu, a retaliação veio sob a forma de execução aos novos gestores de dívidas contraídas pelos autarcas derrotados.

Jardim sabe que, transpostos os resultados das autárquicas para as próximas regionais, o PSD perderia a maioria absoluta, mas espera que os partidos da oposição, rendidos ao perverso “bolo-rei” das subvenções parlamentares e escudados em eventuais subidas nas europeias de Maio, optem por não se coligarem como fizeram a 29 de Setembro para conquistar a capital madeirense e outros municípios.

Se o ano 13.º do século XXI foi o annum horribilis para Jardim, ao ter sofrido nas autárquicas a única derrota eleitoral desde 1976, bem pesada com a perda de sete das 11 câmaras com que dominava também o poder local no arquipélago, pior foi para os madeirenses. Estão a pagar a factura do excessivo endividamento a que levou a despesista política do Governo regional com duplo agravamento fiscal e severa austeridade que se reflectem nas preocupantes taxas recordes de desemprego, de insolvência de empresas e de exclusão social. “A fome na Madeira está a aumentar”, alertava há dias Fátima Aveiro, ex-director da Segurança Social e actual presidente do Banco Alimentar na região.

De acordo com dados recentes do INE, a riqueza produzida na Madeira em 2012 teve uma variação negativa muito superior à média nacional. O Produto Interno Bruto (PIB) madeirense diminuiu, no ano passado, 7,1% e, a nível do país, 3,2%. O poder de compra per capita também passou de 99,5% para 95,2% em 2012, ano em que o investimento praticamente estagnou. Também o rendimento primário e disponível das famílias teve uma queda de 104 para 101 em relação à média nacional.

Êxodo para Inglaterra
O crescente êxodo de jovens registado nos últimos meses, sobretudo para Inglaterra, fez baixar para cerca de 23 mil os desempregados inscritos em Novembro passado no Instituto de Emprego, representando uma taxa na ordem dos 18,1%, acima da média nacional. Desde 2009 que os desempregados aumentam a uma média de mais 4.500 indivíduos por ano. Atingiu um total de 9.932 no final de 2009, de 14.432 em 2010, de 16.430 em 2011, de 20.067 em 2012 e de 24.472 indivíduos em Dezembro de 2012.

No primeiro semestre deste ano, 580 empresas desapareceramdo mercado regional, a um ritmo de mais de três por dia. A confirmar-se esta tendência no segundo semestre, 2013 apresentará um saldo ainda pior do que o registado no ano passado, em que foram dissolvidas 1.009 sociedades.

Não menos preocupante, o custo da mão-de-obra dos trabalhadores madeirenses, sobretudo dos salários, baixou no terceiro trimestre de 2013 pela terceira vez consecutiva, um facto quase inédito que só encontra situação semelhante em 2005. Os salários na Madeira baixaram 8,4%, mais de 150 pontos percentuais do que a média nacional (3,1%). Estes valores excluem os funcionários da administração pública que, juntando os serviços regionais e locais, representam mais de 20% da população activa e tiveram assinaláveis baixas de rendimentos com a entrada em vigor do PAEF regional que impôs a redução de efectivos, o aumento da carga fiscal e a eliminação do subsídio de insularidade.

Tudo “deriva da estrutura colonial em que vive a Madeira”, alegou Jardim durante a recente discussão do Orçamento para 2014, na sua estratégia de transferir para Lisboa responsabilidades que deveria assumir pelo fracasso de obras megalómanas cuja sustentabilidade e segurança foram evidenciadas pelas intempéries. Acusado de ter ocultado encargos que viriam a agravar o défice nacional, o governante defendeu também que a dívida regional “deve ser integrada na dívida nacional pelo que o Estado tirou à Madeira durante 500 anos”. Dito por outras palavras, “o povo do continente roubou a Madeira durante 500 anos”, atalhou o líder parlamentar do PSD, Jaime Ramos, na mesma sessão.

Madeira dará "lucro" em 2014
O serviço da pesada dívida da região irá custar, no próximo ano, 488 milhões de euros, o equivalente a 10% do PIB regional ou 75% dos impostos pagos pelos madeirenses. Um serviço da dívida que, como sublinhou o deputado Carlos Pereira, do PS, é superior às despesas na Educação e na Saúde.

Apesar destes indicadores desfavoráveis, o secretário regional das Finanças afiançou que a Madeira dará “lucro” em 2014, ano em que se farão sentir ainda mais os efeitos das duras medidas de austeridade. Pelo estado de negação, Ventura Garcês fez lembrar, gracejaram deputados oposicionistas nos “passos perdidos” do parlamento madeirense, o antigo ministro iraquiano da propaganda do regime de Saddam Hussein, na derradeira tentativa de perpetuar-se no poder. Isolado no “bunker” da Quinta Vigia, Jardim está rodeado apenas pelos indefectíveis Jaime Ramos, Guilherme Silva e Miguel Mendonça que defendem acerrimamente a continuidade do “amado líder”.

Entretanto, perante um crescente número de militantes e dirigentes sociais-democratas que exigem a antecipação de um congresso electivo, Jardim vai protelando para o final de 2014 a saída que os resultados das directas internas e autárquicas mostram ser inadiável. Mas, mesmo antes de decidir desencadear o processo de sucessão, pelo menos quatro concorrentes declarados (Miguel Albuquerque, Manuel António, Miguel de Sousa e Sérgio Marques) e um quinto expectante (João Cunha e Silva) aquecem motores para a corrida interna, uma espécie de primárias para as regionais de 2015 que determinarão, efectivamente, a mudança de poder na Madeira.

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