Arte Urbana
Quando a avó dá a mão à neta, a arte de rua é de lã
Que levante a mão quem já teve ajuda dos avós para fazer os trabalhos da faculdade. A mão de Ana Martins pode erguer-se bem alto: a avó não só a ajudou durante a licenciatura em Design Gráfico, na ESAD, nas Caldas da Rainha, como contribuiu para que a neta criasse a identidade visual de Aheneah, o nome artístico da jovem de 21 anos, de Lisboa. “Eu decidi que ia experimentar trabalhar com costura enquanto bordava ponto-de-cruz com a minha avó”, conta, ao P3. Pensou que poderia “tirar a técnica tradicional do seu lugar habitual”, juntar conhecimentos de design e assim “ligar dois tempos distintos num mesmo trabalho”. O dela e o da avó. Uma “inovação” que é uma homenagem, e vice-versa.
Isto porque não se bordam apenas imagens doces e recatadas em tons pastel, no conforto de um cadeirão, quando o tempo teima em não passar. Também se constroem murais de arte urbana de quase três metros com 700 pregos, martelos e quilo e meio de lã rosa choque (Matriz, numa das paredes da Casa dos Magistrados da Covilhã, e a instalação tridimensional Why Not?, num dos contentores do Village Underground Lisboa, são provas disso). Basta “descontextualizar a técnica”, elevar o ponto-de-cruz do milímetro para os dez centímetros de espaçamento, explorar diferentes tipografias, escolher entre diferentes espessuras de lã, arriscar cores arrojadas e desenhos bem conhecidos de uma geração digital que quando nasceu ainda chorava no analógico.
O trabalho mais recente, comissionado para o Plano B promover a programação de Julho, luta bem “essa batalha” entre o pixel e o ponto. É uma animação analógica da letra B constituída por 130 bordados que Ana costurou, um a um, à mão. “As minhas avós acham os meus projectos muito interessante, mas às vezes não percebem muito bem o que é”, ri-se. “É muito bom tirar dúvidas com elas, pedir ajuda e poder integrá-las no meu trabalho. Passamos muitos momentos bonitos por causa disso.”
A artista já exibiu peças no Wool (2018), o primeiro festival de arte urbana português, na Covilhã (ver primeira imagem da fotogaleria), em Miguel Bombarda (exposição Who Let the Dogs Out), no ESTAU, em Estarreja, e já trabalhou com algumas marcas. E uma designer bordadeira pode ser igualmente talentosa com uma lata de spray para graffiti na mão — não contem à avó Narcisa, mas Ana é.