O que se perde em L’Étage du Dessous é o que se ganha
A solidão do espectador, que fica sem reconhecimento, sem género cinematográfico, sem redenção no ecrã para o sossegar. Este filme romeno não pára de crescer.
O cinema deste romeno deixa perdido o espectador que está em busca de soluções ou de identificações. Deixa-o perante um colapso. As personagens são insondáveis. Como… na vida e não como nos filmes.
O que se passa em L’Étage du Dessous? Um marido e pai de família, na fase da vida em que o ritual de passear o cão começa a ser o sustento da sua tranquilidade existencial, ouve uma discussão conjugal que se passa do lado de lá da porta do andar de baixo. Depois… um crime - a vizinha é encontrada morta.
O cinquentenário (e o espectador?) suspeitam do vizinho, mas o nosso homem, misteriosamente, não diz nada à polícia que investiga o caso sobre a violenta discussão que ouviu. Esse acto da personagem – essa ausência de acto da personagem – coloca o espectador em perda, à míngua de identificação. Até porque essa ausência vai impedir, por exemplo, que o filme mergulhe no reconhecível thriller. O que fica, então, é a solidão do espectador, sem reconhecimento, sem género cinematográfico, sem redenção no ecrã que o sossegue. O que fica é o espectador, todos nós, afinal capazes de sermos tão insondáveis nos nossos (não) gestos como o cinquentenário romeno. Sim, porque sendo um filme “realista”, L’Étage du Dessous está aberto a deixar-se invadir pelos pesadelos, pelas zonas de sombra das personagens. A boa notícia é que há outro filme romeno na secção Un Certain Regard, Le Trésor, de Corneliu Porumboiu.