O que têm as aves-elefante e os kiwis em comum? Afinal, são primos
Estudo revela que os antepassados das aves-elefante e dos kiwi, a ave símbolo da Nova Zelândia, faziam longos voos. O que ajuda a explicar o seu parentesco.
As ratitas são um grupo de aves sem capacidade de voar. Até agora, pensava-se que a dispersão pelo mundo das várias espécies de ratitas – onde se incluem as avestruzes (Austrália e África), as emas (Austrália), os casuares (Austrália, Nova Guiné e ilhas à volta), os kiwis (Nova Zelândia), os extintos moas (Nova Zelândia), as extintas aves-elefante (Madagáscar) ou os nandus (América do Sul) – tinha sido feita à medida que o supercontinente Gonduana se ia fragmentando.
Iniciada há 130 milhões de anos, essa separação da Gonduana acabou por resultar nas actuais massas continentais da América do Sul, África, Madagáscar, Índia, Austrália e Antárctida. E, há cerca de 65 milhões de anos, segundo o novo estudo, essa separação teria conduzido à divisão das ratitas.
Mas um estudo, divulgado esta sexta-feira na revista Science, revela que afinal os antepassados das ratitas batiam as asas voando para longe, percorrendo muitos e muitos quilómetros. Assim, para a equipa de Kieren Mitchell, da Universidade de Adelaide (Austrália), e colegas os antepassados das ratitas eram aves voadoras. E a perda desta habilidade apenas aconteceu após a fragmentação da Gonduana. Portanto, não terá sido a partir de um antepassado comum não voador, e que se tinha dispersado através da separação continental, que surgiram novas espécies de ratitas nos vários cantos do mundo.
Um imigrante australiano que desagradava
No entender dos cientistas, este estudo põe fim a uma discussão com mais de 150 anos, segundo um comunicado da Universidade de Adelaide. Por outro lado, também permitiu descobrir que, ao contrário do que se pensava, os parentes mais próximos dos kiwis neozelandeses não são as emas australianas – mas sim as aves-elefante de Madagáscar, que podiam atingir 275 quilos e chegar aos dois a três metros de altura.
A ideia de que as emas eram os parentes mais próximos dos kiwis resultou de um estudo na década de 1990, pelo investigador Alan Cooper, actual director do Centro de ADN Antigo da Universidade de Adelaide. Ora a ideia de que os kiwis descendiam de uma ave que tinha imigrado da Austrália para a Nova Zelândia, massas continentais separadas há cerca de 60 a 80 milhões de anos, não agradou nada aos neozelandeses na altura. “É fantástico poder finalmente olhar para os registos de maneira correcta, uma vez que os neozelandeses ficaram chocados ao descobrir que a sua ave nacional seria um imigrante australiano”, diz agora Alan Cooper, que coordenou este novo trabalho na Science. “Peço desculpa por ter demorado tanto tempo.”
Já agora,o fruto que todos conhecemos por kiwi não se chamava inicialmente assim. Originário da China, o kiwi era conhecido precisamente como groselha-da-china. Na década de 1940, começou a ser cultivado na Nova Zelândia, onde a planta foi melhorada, para se obterem novas variedades de frutos, que passaram a ser chamados kiwis.
Voltando às aves, como é que os cientistas chegaram às novas conclusões? Afinal, as gigantes aves-elefante e os pequenos kiwis não podiam ser mais diferentes. Além da morfologia e de viverem tão longe, os seus hábitos alimentares também são distintos: enquanto as aves-elefante eram herbívoras, os kiwis comem de tudo um pouco, desde insectos a pequenos vermes e frutas, que, como animais nocturnos que são, apanham durante a noite.
A equipa sequenciou o ADN das mitocôndrias (transmitido apenas por via materna) de duas espécies de aves-elefantes, cujos ossos estão no Museu Te Papa Tongarewa da Nova Zelândia. E compararam esse ADN com o dos kiwis. Através do ADN mitocondrial, que pode ser usado como relógio molecular que permite andar para trás na evolução das espécies, os cientistas puderam compreender melhor a relação evolutiva entre as ratitas, chegando a este inesperado parentesco.
“As provas sugerem que os antepassados voadores das ratitas se dispersaram pelo mundo logo depois da extinção dos dinossauros [há 65 milhões de anos] e ainda antes de os mamíferos terem aumentado drasticamente de tamanho e tornado o grupo dominante”, refere Alan Cooper.
“Pensamos que as ratitas exploraram uma pequena janela de oportunidade para se tornarem grandes herbívoros. Mas, assim que os mamíferos se tornaram maiores, há cerca de 50 milhões de anos, nenhuma outra ave pôde tentar essa ideia novamente, excepto se vivesse numa ilha sem mamíferos, como os dodós [das ilhas Maurícias, também já extinto]”, diz outro dos autores do estudo, Michael Lee, do Museu da Austrália do Sul e também da Universidade de Adelaide. “Podemos agora ver por que razão a história evolutiva das ratitas tem sido um problema tão difícil.”
Texto editado por Teresa Firmino