Guia de primeiros socorros psicológicos: o que fazer num ataque de pânico?
Os estudantes do ensino superior sentem cada vez mais stress e ansiedade. Os “primeiros socorros psicológicos” ajudam a identificar e resolver uma situação de crise de saúde mental.
Estás a caminhar pelos corredores da tua faculdade, quando te cruzas com um amigo que parece estar a chorar e a respirar de forma bastante acelerada. Talvez até já tenhas reparado em alguns comportamentos fora do comum que esse amigo anda a ter ultimamente. Achas que ele pode estar a ter um ataque de pânico ou um qualquer outro episódio psicológico — não tens muitas certezas, apenas sabes que queres ajudar. Como o fazer da melhor forma?
Situações como esta são cada vez mais comuns no meio académico. Um estudo realizado em 2022 na Universidade de Lisboa a 7756 estudantes identificou que cerca de 15% estavam em risco de burnout, 25% apresentava “níveis severos ou muito severos de stress", 26,4% sintomas de ansiedade e 25,2% sintomas de depressão.
O Núcleo de Orientação de Carreira e Apoio ao Estudante (NOCAE) da FLUL disponibilizou um Manual de Boas Práticas em Primeiros Socorros Psicológicos, com informação e orientações acerca de como identificar e gerir situações de crise psicológica de forma adequada.
Os primeiros socorros psicológicos podem ser feitos por qualquer pessoa, e têm como objectivo prestar auxílio a quem se encontre numa situação de sofrimento ou crise do foro mental, até que seja possível obter ajuda profissional ou a crise acabe.
O manual destaca a importância de estar preparado para intervir, já que estas situações são imprevisíveis e variam "em termos de natureza e de gravidade".
O que é uma crise psicológica? Quais são os sinais de uma?
Uma pessoa está em crise psicológica quando sente que não tem recursos para lidar com uma situação ou com as suas emoções. Podem ser desencadeadas por acontecimentos como "uma perda, uma grande mudança, uma situação especialmente stressante", enumeram as psicólogas responsáveis pelo guia, ou também por um conjunto de factores muito variados.
Os sinais podem ser físicos — como a dificuldade em respirar, o choro, ritmo cardíaco acelerado, arrepios e suores ou náuseas — mas também podem ser menos aparentes e mais difíceis de identificar, se forem de índole emocional, comportamental e/ou cognitiva: alguém estar mais agitado ou agressivo do que o normal, começar a isolar-se, abandonar actividades que costuma fazer, ter dificuldade em concentrar-se, preocupar-se excessivamente, demonstrar sentimentos de tristeza, culpa ou desespero.
"Há alguns que quem conhece a pessoa em causa poderá detectar, e há outros que estarão visíveis para qualquer pessoa", explica Luísa Santos, doutorada em psicologia e uma das autoras do manual.
O manual salienta que todas as pessoas podem ser afectadas por crises mentais, e que cada indivíduo as experiencia e aos seus sinais "de forma distinta".
Contextualizar
O primeiro passo consiste em recolher informação sobre o que se esta a passar: se é a primeira vez que acontece, o que espoletou a crise, quem está envolvido na situação ou que já foi feito são dados úteis para avaliar como melhor intervir.
Luísa Santos exemplifica com uma situação de ataque de pânico: poderá ser uma primeira vez, em que a própria pessoa não é capaz de identificar o que lhe está a acontecer — experiência que a psicóloga classifica como "muito assustadora" — ou poderá tratar-se alguém para quem estas crises não são uma novidade, podendo até ser capaz de transmitir essa informação a quem lhe está a prestar auxílio.
Avaliar situação pessoal, garantir segurança e iniciar contacto
Podes nem sempre estar na melhor posição para dar a mão a alguém que esteja a passar por uma situação psicológica difícil: podes estar tu próprio com a saúde mental fragilizada, não teres tempo para intervir, etc. Também é importante avaliar se a tua relação com a pessoa é a mais adequada, e se não existe alguém presente que lhe seja mais próximo ou com quem tenha maior confiança. Caso decidas afastar-te da situação, deves garantir que há alguém para te substituir.
Se, após esta avaliação, estiveres apto para intervir, a etapa seguinte passa por garantir a segurança e o conforto da pessoa que estamos a tentar ajudar. Isto pode significar, por exemplo, procurar um local silencioso, longe de outras pessoas e outros estímulos, onde a pessoa se sinta segura.
O primeiro contacto deve ser feito de forma particularmente cuidada. É importante começares por te apresentar, e pedires permissão para oferecer ajuda.
"É importante oferecermos o apoio, mas não devemos ser demasiado invasivos", acautela Luísa Santos, destacando a importância de "respeitar o tempo e o espaço" da pessoa. Susana Dias, também responsável pelo manual, relembra a importância da contextualização inicial "para sabermos até onde podemos ir".
Uma das primeiras formas de ajudar passa por atender às necessidades mais prementes que a pessoa possa ter. Por exemplo, se se encontrarem num local fechado, podes questionar se ir para um espaço exterior poderá ajudar, ou oferecer um copo de água.
E se a pessoa se recusar a ser ajudada? Margarida Santos, co-autora do manual, explica que nestes casos pode ser eficaz aguardar um pouco e "transmitir a mensagem de que quando a pessoa estiver pronta, nós vamos estar lá para ajudar e que ela não vai ficar desamparada".
Acalmar, validar, ouvir
Esta é das etapas mais importantes do processo, em que deves promover a estabilização das emoções da pessoa. Podes começar por fazer perguntas simples, como nome, idade ou onde estuda, e depois sugerir algumas práticas para que a sua atenção se volte a focar "no aqui e agora", indica o manual.
A técnica "5, 4, 3, 2, 1" consiste em pedir à pessoa para "nomear cinco coisas que esteja a ver, quatro coisas que esteja a sentir, três sons que esteja a ouvir, duas coisas que esteja a cheirar e uma coisa que consiga saborear".
"Quem está em crise pode estar muito autofocado, focado em si e nos seus pensamentos e sensações corporais, daí que seja importante dirigir a sua atenção para coisas exteriores (...) e não na situação que a levou à crise", explica Luísa Santos.
A respiração deve também ser um dos focos, sendo que quem está em situações de crise pode entrar num estado de hiperventilação (ou seja, respirar de forma extremamente rápida). Caso seja este o caso, podes sugerir que inspire lentamente, conte até três, e que depois expire e conte novamente, repetindo o processo três vezes.
A psicóloga relembra ainda que é importante validar os sentimentos da pessoa para que esta consiga "aceitar aquilo que está a sentir" (através de expressões como 'é natural que te sintas assim' ou 'não há problema em sentires-te assim', por exemplo).
Susana Dias destaca que "a pessoa às vezes também só quer falar, e a questão de nós estarmos lá, estarmos a ouvir e a mostrar que estamos atentos é muito importante".
As autoras sublinham a necessidade de "não cair no erro de assumir que sabemos o que a pessoa precisa ou quer, ou dar conselhos baseados na nossa experiência, mas sim ter uma atitude de grande abertura perante a outra pessoa e tentar 'despirmo-nos' de ideias preconcebidas".
Suporte social e ajuda profissional
A pessoa que estás a ajudar pode querer estar ou falar com alguém do seu círculo social mais próximo. "Às vezes, aqui na faculdade, o aluno quer o suporte de algum amigo ou conhecido", conta Susana Dias, explicando que "essa pessoa também vai ser um elemento que vai transmitir segurança para quem está em crise".
Em relação ao encaminhamento para serviços de apoio psicológico, Luísa Santos refere que este "poderá não ser necessário em todas as situações, mas é algo que deve ser avaliado". Caso a pessoa sinta que "ficou com algumas consequências em relação à crise, que continua a pensar na crise, ou que a situação que levou à crise não ficou resolvida (...) é importante transmitir informação prática sobre como recorrer aos apoios que tenha disponíveis", adiciona, dando como exemplo o apoio psicológico e psicopedagógico disponível para os estudantes da FLUL.
As autoras do manual salientam a relevância da prevenção, não só a nível institucional, mas também a nível pessoal. "Cada pessoa deve também trabalhar em si, e ter actos de autocuidado para tentar prevenir ao máximo estas crises", adiciona Margarida Santos.
"Tal como é importante e qualquer pessoa deveria ter formação em primeiros socorros físicos, para apoiar alguém que possa estar a passar mal fisicamente, também consideramos que é importante que as pessoas tenham alguma formação nesta área dos primeiros socorros psicológicos", finaliza a psicóloga Luísa Santos.
Texto editado por Renata Monteiro