Marco Somà ilustra a escola, onde se somam todas as diferenças
Olhar a escola como um espaço aberto, mesmo que entre paredes. Uma visão poética de Luca Tortolini ampliada pelas imagens de Marco Somà, que veio ao Braga em Risco lançar este livro.
O Que É a Escola? começa com uma descrição simples, quase só de equipamento: “A escola é um edifício onde se penduram quadros. Tem mesas onde os cotovelos repousam e cadeiras onde os rabos se sentam.” À medida que a prosa avança, entra-se na imaterialidade que estes espaços fundamentais nas nossas vidas congregam.
Das amizades aos conflitos, dos conhecimentos científicos à magia da imaginação, da fruição da beleza à descoberta da poesia, muito pode acontecer numa escola. Um espaço aberto, mesmo que entre paredes, “onde tudo se mistura e entrelaça”.
Luca Tortolini é escritor, argumentista e professor… Talvez por isso tenha bem presente o que se pode esperar da escola, que, diz no livro, é “a soma de todas as diferenças”, onde “aprendemos a saber estar, ser e viver”.
A esta visão poética junta-se a arte do ilustrador Marco Somà, com os seus animais personificados. Sobre eles, disse ao PÚBLICO via email, recordando Leo Lionni: “É mais fácil para qualquer criança identificar-se com um animal ou um pedaço de papel ou ainda com uma cor, mas que sejam símbolos. Desta forma, qualquer criança de qualquer etnia ou idade não terá problema em rever-se no protagonista da história.”
Acrescenta ainda: “Trabalho melhor com personagens que são um pouco híbridas: corpos humanos com rostos de animais. Isto permite-me caracterizá-las melhor, torná-las mais interessantes e, acima de tudo, mais universais.”
O ilustrador italiano, vencedor do Prémio Hans Christian Andersen em 2019, irá apresentar o livro neste sábado, 9 de Novembro, no encontro Braga em Risco, às 16h, na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, com moderação do editor da Paleta de Letras, Pedro Seromenho.
Segue-se uma oficina em que as crianças são convidadas a deitar-se sobre uma folha de papel, para se traçar a silhueta do seu corpo com um marcador e depois preenchê-la “exprimindo os seus sentimentos, sonhos e aspirações” através de imagens.
Ali ao lado, no Quartel do Risco (antigo quartel dos bombeiros voluntários da cidade), pode ser vista, até 17 de Novembro, uma exposição do ilustrador, sob o título Verso L’Infinito, em que se reúnem trabalhos seleccionados de vários livros seus. Alguns publicados em Portugal pela Fábula/Penguin Random House, que irá editar no próximo ano Quem Sabe o Que É a Felicidade (título provisório), também com texto de Luca Tortolini.
Na exposição, há ainda um quadro de ardósia comprido colado à parede quase ao nível do chão para que as crianças respondam através do desenho à pergunta: o que é a escola?
No dia 11, às 10h, na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, realiza-se uma masterclass ministrada por Marco Somà: “O poder narrativo das imagens” (requer inscrição em atlas.mediacaocultura@cm-braga.pt). Destina-se a estudantes de Arte do ensino secundário e universitário.
Cócegas na imaginação
Quando se lhe pergunta “o que é ilustrar?”, responde: “Para mim, desenhar sempre foi uma forma de comunicar algo aos outros. Em criança, como toda a gente, desenhava para ‘contar’ momentos da minha vida familiar e, à medida que fui crescendo, isso não diminuiu e continuei a sentir a necessidade de me exprimir através de imagens. Hoje, trabalho ao serviço de um texto escrito e, para mim, ilustrar é iluminar o texto com imagens, dando a minha interpretação única e pessoal à narrativa”, diz Marco Somà, que lê os textos que lhe atribuem várias vezes, porque sente a necessidade de entrar neles e de os tornar seus.
Queremos saber se costuma mostrar o seu trabalho aos autores do texto que está a ilustrar e se aceita sugestões. Ficamos a saber: “Normalmente, prefiro trabalhar sozinho, dedicando o meu tempo a dar a minha voz pessoal à história, sem interferência de quem a escreveu.”
Só mais tarde é que se dispõe a dialogar com o autor do texto ou com o director artístico. “Desse confronto podem surgir reflexões interessantes para o trabalho”, diz.
Na escolha dos momentos a ilustrar, recorre a palavras-chave, “identifico aquela que é mais significativa para mim e que me faz cócegas na imaginação”. Uma vez encontrada a palavra, inicia a fase de estudo, seguida de uma série de rascunhos de onde selecciona o que lhe parece mais convincente.
“Passo então a definir ‘os actores’ da cena e, separadamente, o cenário, o corte, a composição, a iluminação e as cores. Depois de clarificar todos estes aspectos, passo à fase final”, conta.
Dedica muito tempo à pesquisa no início de cada projecto: “Alimento-me de tudo: fotografia, cinema, arte, literatura, em suma, tudo o que, de alguma forma, possa contribuir para encontrar a chave certa para a história”, descreve.
Depois, faz rascunhos para dar forma às ideias, usando “lápis ou caneta e um caderno moleskine”. Outras vezes utiliza também o computador “para compor a imagem no espaço real da página dupla”.
Findo o esboço de todo o livro, “uma espécie de storyboard preliminar”, trabalha nos desenhos finais. “Com um lápis, desenho todos os contornos e o claro-escuro da imagem. Quando o desenho a traço está concluído, passo para o computador, onde procedo à coloração, através de uma colagem de papel e materiais reciclados que sobreponho ao desenho.”
Há alguns anos, pintava as suas pranchas em acrílico, com camadas de cor densas e sobrepostas e “adorava o efeito de tridimensionalidade e a força da cor que conseguia obter”. Mas mudou a prática e a técnica.
A tecnologia a fazer valer a tradição
Diz ter descoberto na tecnologia a solução para aquilo que sentia que lhe faltava: o tom. “Encontrei a chave na tecnologia, conseguindo combinar os traços a lápis com a coloração obtida através da sobreposição de papéis coloridos (que encontro quando viajo), fundos de aguarela e texturas que me permitem não perder o calor e a profundidade das técnicas tradicionais.”
Assim, consegue obter sempre resultados diferentes, que por vezes o surpreendem. A nós também.
A terminar a conversa com o PÚBLICO, não quer deixar de dizer: “Com todas as coisas más que estão a acontecer no mundo, sinto-me privilegiado por fazer o que gosto.”
No final do livro, o escritor Luca Tortolini lembra que a escola “é um lugar cheio de ideias e palavras”. E conclui: “Com as ideias e as palavras, podemos imaginar um mundo novo.” Não está fácil.