Prémios de “Meritocrisia” Académica

Multiplicam-se por todo o país os prémios de mérito escolar. Por muito boas que sejam as intenções na origem destes prémios é necessário que se questione o que está, de facto, a ser premiado.

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Megafone P3 Javier Zayas
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Multiplicam-se por todo o país os prémios de mérito escolar. Promovidos por escolas, fundações, ou câmaras municipais, todos querem premiar o “melhor aluno”. No entanto, por muito boas que sejam as intenções na origem destes prémios, é necessário que se questione o que está, de facto, a ser premiado.

O conceito por detrás destes prémios é simples: galardoar o aluno com melhores notas em cada instituição, ano lectivo, ou concelho/freguesia. Porém, a realidade revela-se mais complexa. Estes prémios sustentam-se numa ilusão que traz consigo mais consequências negativas do que positivas. O que está realmente a ser premiado não é o mérito, mas sim a capacidade de obter boas notas.

Não se trata de desvalorizar o desempenho académico – esse esforço merece, sem dúvida, reconhecimento. No entanto, é perverso confundir esse resultado com “mérito”. As condições individuais de cada aluno, isto é, o seu ponto de partida para atingir o “mérito” não é tido em conta, e medir o mérito apenas através das notas obtidas em testes é uma abordagem limitada e injusta.

Vou tentar exemplificar a minha argumentação (que nada tem de relacionado com a zona onde cresci, juro!): o Francisco mora a dois minutos da escola no seio de uma família que vive confortavelmente. Acorda meia hora antes da primeira aula e segue para a escola. Depois das aulas, chegando a casa, pode começar a estudar e a preparar-se para o próximo teste sem interrupções. Para além disso, os pais do Francisco têm possibilidades para lhe pagar explicações (e ainda bem!), o que contribui para o seu desempenho académico.

O Francisco teve uma média de 17,3, a mais alta da escola. A Joana, por outro lado, mora numa aldeia a 15 quilómetros da vila onde tem aulas. O transporte escolar que por lá passa arranca às 6h30 da manhã. Chega à escola às 7h, embora a primeira aula só comece às 8h. A meio dessa aula, o pequeno-almoço e, consequentemente, a energia, já desapareceram. Qual é a atenção que a Joana consegue prestar ao resto da aula? No final do dia, o transporte escolar recolhe todos os alunos deslocados e vai depositando cada um nas aldeias de origem. A Joana só chega a casa mais de uma hora depois da última aula.

Em casa, ajuda os pais, que a essa hora ainda trabalham nos campos, na realização de tarefas domésticas. Só depois do jantar é que a Joana consegue começar a estudar, embora não por muito tempo, porque o próximo dia começa bem cedo. A Joana teve uma média de 17,1. Devem os resultados do Francisco ser valorizados? Sem dúvida. Teve o Francisco, com uma média de 17,3, mais mérito do que a Joana, com 17,1? Exacto.

É isto que quero dizer com o “ponto de partida” para medir o mérito. Olhar apenas para a média final é o mesmo que chegar ao recreio de uma escola, colocar um grande X no chão e gritar “o primeiro aluno a pisar o X ganha um prémio”. Haverá alunos mais próximos do X e outros mais longe. Chegar primeiro não implica ter-se mais mérito do que os colegas na tarefa pedida, mas é um reflexo das condições mais ou menos favoráveis de cada um.

Dirão alguns que os prémios de mérito, desenhados nestes moldes, têm em si um factor motivacional que incentiva os alunos a quererem ser O melhor. No entanto, é aqui que reside a perversidade desta abordagem. A aspiração a ser-se o melhor pode, de facto, motivar o esforço individual. No entanto, em última análise, esta aspiração implica também a necessidade (e, consequentemente, o desejo) de que os colegas falhem.

Ora, um prémio que deveria ser uma celebração, passa a fomentar uma cultura tóxica e de competição. O ambiente escolar transforma-se num “cada um por si” onde os alunos não se ajudam com os trabalhos de casa, não esclarecem dúvidas uns aos outros, e não partilham apontamentos ou material de apoio ao estudo com o receio de que sejam “ultrapassados”.

Qual é, então, a solução? Não desejo de modo algum terminar com este tipo de prémios. Eu próprio beneficiei financeiramente de alguns (eu, hipócrita, me confesso). Mas as normas de atribuição devem ser repensadas. Algumas instituições já o fazem: definir um limiar base de excelência (exemplo: média de 17) e todos os estudantes que o consigam alcançar são premiados. Não se nivela por baixo, não retira valor a ninguém, e promove-se a cooperação em ambiente escolar. Assim, estabelece-se uma cultura onde o foco não está apenas na rivalidade, mas no crescimento colectivo. Tal como esta, existirão certamente outras alternativas. As soluções existem, é preciso haver vontade de as procurar.

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