Ser gay nos Açores: os desafios e a esperança

Um equilíbrio entre aceitação pessoal e os desafios impostos por uma sociedade que, por vezes, parece presa entre o tradicionalismo e a modernidade. O caminho, no entanto, é de esperança.

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Megafone P3 Nuno Ferreira Santos
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A cultura açoriana é profundamente marcada por valores religiosos e familiares, transmitidos de geração em geração. Embora este respeito pelas tradições seja algo que define o arquipélago, também limita, em muitos casos, a abertura em relação à diversidade sexual. Para muitos jovens e adultos LGBTQ+, viver num lugar onde “todos se conhecem” pode significar viver com o medo constante de ser julgado.

Reconheço que, para muitos, a invisibilidade parece ser a opção mais fácil. Apesar de nunca ter sentido necessidade de me esconder, sei que para outros, a discrição ou o silêncio são estratégias para evitar o julgamento da sociedade ou até da família. Nos Açores, como em tantas outras regiões mais pequenas, as expectativas sociais estão bem definidas: casar, ter filhos, e viver dentro de um modelo tradicional. Fugir a essas normas pode atrair a curiosidade ou reprovações, mesmo que implícitas.

Embora nunca tenha sentido o peso da "invisibilidade", compreendo o impacto que pode ter em tantos outros. A falta de espaços seguros e de visibilidade positiva para a comunidade LGBTQ+ nos Açores faz com que muitos jovens e adultos sintam que não têm onde recorrer. A ausência de eventos regulares ou de associações que apoiem esta comunidade dificulta a criação de redes de apoio locais. Conheço histórias de pessoas que, por medo de perder o apoio das suas famílias ou de serem discriminadas no trabalho, preferiram não se assumir publicamente.

Este isolamento pode ser acentuado pelo facto de os Açores serem compostos por ilhas pequenas e comunidades fechadas. Ao contrário das grandes cidades, onde a diversidade de estilos de vida é bem maior e mais aceite, aqui a diversidade ainda é, por vezes, encarada com alguma desconfiança.

No entanto, nem tudo é estático. Nos últimos anos, tenho assistido a uma lenta, mas crescente, mudança de mentalidade. As redes sociais e a crescente abertura ao diálogo sobre questões de género e sexualidade têm ajudado a ligar os açorianos LGBTQ+ ao resto do mundo, dando-lhes acesso a novas ideias e novas formas de expressão.

As novas gerações têm uma postura mais aberta e inclusiva. Vejo jovens açorianos mais confiantes e sem receio de mostrar quem são, e isso é um sinal de progresso. Este novo fôlego é essencial para que os Açores possam continuar a caminhar para uma maior aceitação. A presença de figuras públicas que assumem a sua sexualidade é outro passo importante na normalização da comunidade LGBTQ+, tornando-a mais visível e, por isso, mais compreendida.

Ainda há muito a fazer para garantir que todos os açorianos LGBTQ+ possam viver com a mesma tranquilidade, sem receio de discriminação. As escolas, as instituições locais e a sociedade em geral têm de continuar a abrir espaço para a inclusão. A criação de eventos e espaços de diálogo e de apoio seria um grande passo para garantir que ninguém se sinta sozinho ou desamparado.

Viver como uma pessoa gay nos Açores, para mim, foi sempre um processo de aceitação pessoal num contexto que, por vezes, pode ser difícil. No entanto, sei que o caminho para muitos outros é mais complicado, e é por isso que a mudança deve continuar. Só com uma sociedade mais inclusiva e aberta é que os Açores podem ser verdadeiramente o lugar acolhedor que todos merecemos.

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