Antigo dono do Harrods Mohamed Al-Fayed acusado de violação por cinco mulheres
As vítimas eram funcionárias do Harrods e acusam a empresa de não as ter protegido. Desde o ano passado que estão a ser indemnizadas pela nova administração, avança a BBC.
O empresário egípcio Mohamed Al-Fayed (1929-2023) é acusado de ter violado cinco mulheres e abusado sexualmente de pelo menos mais 15, avança uma investigação da BBC. A maioria das mulheres eram funcionárias dos armazéns Harrods, de que Al-Fayed foi proprietário até 2010, e acusam a empresa de nada ter feito para as proteger na altura dos abusos.
A investigação da BBC vem confirmar rumores que circulavam há vários anos de assédio sexual por parte de Al-Fayed, o pai de Dodi, o namorado da princesa Diana que morreu no acidente de viação que também vitimou a primeira mulher de Carlos III. Em 2009, o empresário foi investigado por assediar uma jovem de 15 anos na loja, mas a justiça decidiu deixar cair o caso. Anos mais tarde, em 2013, a polícia dirigiu-se ao apartamento de Al-Fayed em Londres para o interrogar sobre possíveis abusos a uma mulher que entrevistou para uma vaga de emprego.
Em 2015, o caso chegou a ser aberto, mas manteve-se estagnado, já que Al-Fayed negava todas as acusações. Agora, o documentário Al Fayed: Predator at Harrods (“Predador no Harrods”, em tradução livre), também disponível em podcast, põe diante da câmara algumas das mulheres que dizem ter sofrido os abusos em Londres, Paris, Saint-Tropez e Abu Dhabi.
Uma das vítimas, não identificada, era adolescente quando conta ter sido violada por Al-Fayed no apartamento de Park Lane na capital britânica. “Mohamed Al-Fayed era um monstro, um predador sexual sem bússola moral”, declara. De acordo com o documentário, mais três mulheres terão sido violadas no mesmo apartamento.
Uma delas foi Rachel, que trabalhava como assistente de compras no Harrods na década de 1990 quando foi chamada ao apartamento do patrão depois do trabalho. Inicialmente não estranhou o pedido, uma vez que a empresa tinha escritórios no mesmo edifício. Contudo, Al-Fayed pediu-lhe que se sentasse na cama e pôs-lhe a mão na perna. “Lembro-me de sentir o corpo dele em cima de mim, o peso dele. De o ouvir fazer estes ruídos. E de ir para outro sítio na minha cabeça. Ele violou-me”, descreve.
Uma quinta mulher, que se identifica como Gemma, relata uma violação semelhante na Villa Windsor, em Paris (a casa que em tempos pertenceu ao duque de Windsor, Eduardo VIII, tio de Isabel II). Segunda conta, nessa estada, acordou a meio da noite com Fayed no seu quarto a tentar deitar-se com ela. “Eu disse-lhe: ‘Não, não quero.’ E ele continuou a tentar entrar na cama, altura em que estava em cima de mim e eu não me conseguia mexer.” Depois de a ter violado, mandou que se desinfectasse. “É óbvio que ele queria que eu apagasse qualquer vestígio de que ele tivesse estado perto de mim”, desabafa.
Sophia, que foi assistente pessoal de Al-Fayed entre 1988 e 1991, conta que o patrão a tentou violar por diversas vezes, mas resistiu sempre até, por fim, deixar o cargo. “Não podia ir-me embora. Não tinha uma casa [de família] para onde voltar, tinha de pagar a renda”, conta.
A urgência de falar sobre o assunto surgiu quando viu The Crown na Netflix, que retrata a família real britânica e inclui uma representação “simpática” de Mohamed Al-Fayed. “As pessoas não deviam lembrar-se dele assim”, lamenta Sophia.
Acordos de confidencialidade
O advogado Bruce Drummond, que representa várias das vítimas de Al-Fayed, aponta o dedo à administração do Harrods por nunca ter feito nada para proteger as trabalhadoras. “A teia da corrupção e dos abusos nesta empresa era inacreditável e muito obscura”, declara.
Algumas vítimas, incluindo Gemma, assinaram acordos de confidencialidade e receberam indemnizações para se manterem em silêncio sobre o assunto, em reuniões em que estavam presentes membros dos recursos humanos do Harrods.
O Harrods foi vendido em 2010 à família real do Qatar — Al-Fayed manteve-se proprietário do Fulham Football Club. Os actuais donos já reagiram à polémica, declarando-se “profundamente chocados” com as alegações, emitindo um pedido de desculpas público às vítimas. “Estas foram as acções de um indivíduo que pretendia abusar do seu poder onde quer que operasse e nós condenamo-las nos termos mais fortes”, escrevem no comunicado citado pela BBC. “Reconhecemos também que, durante este período, enquanto empresa, falhámos para com os nossos empregados, que foram as suas vítimas, pelo que pedimos sinceras desculpas.”
E garantem que hoje o Harrods é “uma organização bem diferente”, que “procura colocar o bem-estar dos trabalhadores no centro de tudo”. Como tal, desde 2023, quando tomaram conhecimentos dos abusos perpetuados por Al-Fayed, têm tentado chegar a acordo com as vítimas, “evitando longos processos judiciais para as mulheres envolvidas”.
Sophia é uma das mulheres que já chegaram a acordo com a empresa em Julho de 2023, um mês antes de Al-Fayed morrer aos 94 anos. Os novos acordos não exigem confidencialidade.
E o comunicado do Harrods termina: “Embora não possamos desfazer o passado, estamos determinados a fazer o que é correcto enquanto organização, guiados pelos valores que defendemos hoje, assegurando ao mesmo tempo que esse comportamento não se repita no futuro.”